A ignorância é cult…

Plácido Fernandes Vieira- Correio Braziliense

Quando a criança aprende uma língua, é natural que, antes mesmo de ler e escrever, identifique e associe palavras ao significado. Muitos pais se surpreendem quando ela aponta para um livro e repete exatamente o que está escrito. Cachorro, gato, backyardigans… Especialistas em educação infantil não veem surpresa. É o processo natural, dizem.

Por isso, na infância, quanto mais cedo melhor para elas aprenderem. Vale tanto para o português quanto para uma língua estrangeira. Sim, elas são capazes de entender — ouvir e falar — outro idioma mesmo sem conhecer nada de ortografia, gramática etc. Nessa fase, é normal que escrevam cachorro com x e enxergar com ch.

Muitos pais até se divertem. Afinal, mesmo “errando”, o filhinho ou a filhinha segue uma lógica que faz todo o sentido. E, até então, ele ou ela ainda é apenas uma criança. A próxima etapa será dominar a norma culta. O processo é praticamente o mesmo em todo o mundo ocidental.

No Brasil, porém, algo de muito estranho acontece. Gente que deixou de usar fraldas muito tempo atrás continua a grafar enxergar com ch e, por incrível que pareça, está chegando à universidade ainda nesse estágio e recebendo aplausos do governo. O Ministério da Educação não “encherga” nada de errado nisso. É capaz até de dar nota mil para a redação do gênio!

Sim, merece repúdio o professor que, em vez de ajudar, humilha o estudante que erra a grafia óbvia de uma palavra. É uma estupidez. Mas daí ao MEC optar pela pedagogia do “nóis pega o peiche” constitui sandice ainda maior. Imagine médicos, jornalistas, professores, advogados e doutores que o país formará daqui para frente. O prodígio pode até se tornar ministro do Supremo, pois no Brasil tudo é possível, mas pelo próprio mérito dificilmente passará num concurso para juiz de primeira instância.

E tudo parte do coitadismo: a teoria de que se está combatendo supostas convenções elitistas e suas regras discriminatórias à sabedoria natural dos pobres e oprimidos. A linguagem escrita evolui e incorpora modismos, progressos e retrocessos da fala. Mas, nunca antes na história da humanidade, país nenhum tentou elevar a ignorância à condição de norma culta. O Brasil será pioneiro nesse quesito.

É verdade que alguém pode ser sábio sem nunca ter posto o pé na escola. Assim como merece aplauso o poeta popular capaz de superar qualquer vate Ph.D — apesar de os versos não seguirem as regras da academia. Mas eles são a exceção. A regra costuma ser outra bem diferente: é aquele que não passou do cachorro com x se transformar em um adulto jeca. Ou pior: num doutor Jeca.

.