A regra da poupança

Fabio Giambiagi- O Globo

Em 2012, o Governo modificou a regra da caderneta de poupança. A mudança foi bem recebida e pode ser qualificada como engenhosa. De fato, o Governo conseguiu o que queria – “destravar” o processo de redução dos juros, eliminando o piso associado à antiga regra da poupança – e, ao mesmo tempo, ao definir que a regra valeria apenas para os casos em que a Selic fosse igual ou inferior a 8,5%, mantendo a regra antiga caso fosse superior a isso, evitou um problema futuro, como seria a vinculação com a Selic se esta tivesse que voltar a aumentar por alguma razão.

Por outro lado, a fórmula encontrada – correção de TR + 70% da Selic para os depósitos novos e manutenção da regra de TR + 0,5% ao mês para os depósitos antigos – não está isenta de problemas. Há dois deles para os quais convém prestar atenção.

O primeiro é o risco de perda em relação à inflação. Tomemos como referência uma Selic como a atual, de 7,25% ao ano. Nesses níveis, a TR tende a ser nula, o que significa que a remuneração da poupança é de 70% da Selic para os depósitos feitos a partir de 4 de maio, quando a medida passou a vigorar e de 0,5% ao mês para os antigos. Como 70% de 7,25% são 5,08%, isso quer dizer que os novos depósitos rendem anualmente esse percentual, enquanto que os antigos rendem 6,17% – taxa anual do rendimento mensal de 0,5%. Caso a inflação seja maior que 5,08%, o depositante terá perda real. O que cabe avaliar é: nesse contexto, qual está sendo a inflação? Vejamos alguns indicadores. Taxa dos últimos 12 meses (IPCA): 5,8%. Taxa anualizada dos últimos 3 meses: 8,2%. Taxa anualizada da média dos núcleos de inflação nos últimos 3 meses: 7,3%. Expectativa de inflação captada pelo Banco Central (BC) através do Boletim Focus para 2013: 5,5%. Expectativa de inflação captada pelo BC através do Focus para aqueles que mais têm acertado a curto prazo (os “Top 5”): 5,7%. O que se observa, então, é que os novos depósitos poderão perder da inflação, se a remuneração se mantiver nos níveis atuais.

O segundo problema é o risco de descasamento. Ele ocorreria qualquer que seja a inflação para uma Selic igual ou inferior a 8,5%, mas para não confundir os efeitos vamos deixar a inflação de lado. E vamos continuar com nossa Selic de 7,25% e, portanto, com os novos depósitos sendo corrigidos a 5,08% ao ano, enquanto que os depósitos antigos são remunerados a 6,17%. Vamos imaginar que o sistema que opera com base em captações da poupança – como o mercado imobiliário – estivesse em equilíbrio antes da mudança da regra. Isso significa captar a uma taxa “x”, ter um certo “spread” e emprestar a uma taxa “y”, sendo esta maior do que “x”.

O que ocorre na nova situação? Imaginemos que com a Selic a 9%, a remuneração da poupança fosse 7% e a taxa de mercado nos financiamentos imobiliários fosse 10%, com um “spread” de aproximadamente 3%. Estamos adotando uma série de simplificações, apenas para facilitar a compreensão do problema por parte do leitor. Vamos supor que a Selic agora seja de 7% e que, nesse contexto de queda de juros, a ponta dos empréstimos tenha passado a ser de 8% – 1% superior à Selic e, como no caso desta, 2% abaixo da taxa original. É claro que há entraves práticos a uma mudança de contratos, mas é razoável pensar que, se a taxa é 8%, cedo ou tarde o mutuário que pagava 10% consegue um novo empréstimo para quitar o antigo e pagar a nova taxa. No limite, o sistema vai estar emprestando a 8%. Não haveria maiores problemas se a taxa de captação do sistema fosse 70% da Selic, ou seja, no caso, 4,9%. Porém, se a maior parte dos depósitos for antiga, o custo de captação será de 6,17 %. O spread terá caído nesse caso de 3% para menos de 2%. Se houver elevada alavancagem e riscos altos de inadimplência, poderão aparecer problemas. E se o spread não cair, a queda da Selic não seria acompanhada pelos juros do sistema. Evidentemente, o problema aqui abordado agrava-se caso a Selic caia mais ainda. Nesse caso, a intermediação financeira do sistema de habitação será um desafio maiúsculo. Portanto, se os juros baixos forem um fenômeno duradouro, a regra deveria ser revista e a correção de todos os depósitos deveria ser unificada adotando a norma que vale para os depósitos novos.

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