Sistema nacional motiva ‘retirantes’ universitários

Os resultados da primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que serão divulgados nesta segunda-feira, devem levar muitos aprovados a arrumar as malas para estudar longe de casa. Desde que foi instituído, em 2010, o programa do Ministério de Educação (MEC), que este ano oferece vagas em 101 instituições públicas de ensino superior com base nas notas do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), tem aumentado a mobilidade estudantil. Os impactos dos “forasteiros” são mais percebidos nas regiões Norte e Nordeste, para onde migram muitos estudantes de Sul e Sudeste. O fenômeno é observado, principalmente, nas faculdades de Medicina. No ano passado, 51 das 103 vagas do curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas(Ufam) foram ocupadas por alunos de outros estados. Já na mesma graduação da Federal do Ceará (UFC), os alunos de outros estados representam, hoje, 20% do total.

Este ano, pelo menos 30% das vagas disponibilizadas pela Ufam em todos os cursos devem ficar com alunos de fora do estado. Dados da Pró-reitoria de Ensino e Graduação da instituição dão conta de que em todos os cursos da universidade existem alunos de outras regiões do país. O curso de Medicina é o mais procurado, por 45% de quem vem de fora. Segundo o professor Vander Amorim, o grande motivo para a alta procura é a baixa nota de corte.

– No Amazonas , a nota de corte para um curso como Medicina chega a 712. Já em universidades de estados das regiões Sudeste e Sul, essa nota pode passar de 800 pontos – compara Amorim.

A carioca Mariana Vaes, de 25 anos, ingressou no curso de Medicina da Ufam após três anos prestando vestibular. Atrás de seu sonho de vestir o jaleco, a universitária, que mora com duas amigas em um apartamento em Manaus, deixou para trás o noivo, dois irmãos e os pais.

– Minha maior dificuldade no Amazonas foi a saudade da família, mas acredito que valerá a pena. Tentei por dois anos as universidades do Rio, mas sem êxito – conta Mariana.

Antes de o Sisu entrar em cena, seria improvável um estudante viajar só para fazer uma prova de seleção. Graças ao vestibular nacional, o candidato faz o exame na sua cidade e, depois, procura saber em que faculdade a sua pontuação na prova vai lhe possibilitar ingressar. Este ano, o sistema oferece 129.319 vagas em 3.752 cursos pelo país.

Entretanto, a situação pode agravar o quadro de concentração de médicos no Sul e no Sudeste, uma vez que existe a chance de os aprendizes de doutor moradores desses estados retornarem para suas casas após o fim do curso.

Instituição mais procurada no Sisu, a Universidade Federal do Ceará (UFC) teve mais de 187 mil inscrições, das quais quase 10 mil foram para o curso de Medicina, o mais disputado do sistemado MEC. De acordo com o pró-reitor de graduação, Custódio da Almeida, o percentual de “forasteiros” no curso saltou de 2% para 20% desde a adesão ao Sisu.

– Apostávamos que a universidade teria 25% do seu total de estudantes de outros estados, após o sistema unificado, mas estamos com 5%. Obviamente, o aluno que passa para Medicina está num status socioeconômico superior e pode arcar com as despesas de morar longe de casa. Hoje, recebemos universitários de São Paulo , Rio, Brasília e Região Sul. Antes do Sisu, a procura ficava mais restrita a outros estados do Nordeste – compara Almeida.

Mobilidade também em outros cursos

Deise Azevedo é de Natal (RN), e está no 2º período de Medicina da Universidade Federal doAlagoas (Ufal). Na sala dela, só três estudantes são do estado. Na Federal do Piauí , em Teresina, quase um terço dos 43 alunos da aula de anatomia ou histologia, no Centro de Ciências da Saúde (CCS), já são de outros estados, como Santa Catarina , Ceará e Maranhão . Eles buscam a instituição por causa da nota de corte, mais baixa que em suas terras de origem.

Mas a mobilidade em outros cursos também é relevante. A estudante Valéria Rebecca, de 18 anos, matriculou-se no curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Piauí depois de não ter conseguido vaga na Estadual do Ceará. Já a aluna de Engenharia Civil Krisya Meneses, de 17 anos, é de Santa Quitéria do Maranhão .

– Nas outras federais, o curso de Engenharia Civil tem nota de corte bem mais alta. Estou no primeiro período aqui no Piauí , e estou gostando da qualidade do ensino – comenta ela.

A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) dedicou todas as suas vagas ao Sisu, pela primeira vez, depois do Enem 2011. Já no segundo semestre de 2012, 17% dos estudantes que ingressaram na instituição vieram de fora do estado (em 2009, esse percentual beirava os 13%). Quando conquistou uma vaga em Comunicação Social da UFRJ, o estudante Milton Lopes dos Santos Junior, de 19 anos, sabia que o alívio da aprovação trazia também a tensão por mudar de cidade. Ele morava com os pais em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo , e não conhecia ninguém no Rio.

– Tive que correr atrás de lugar para morar. Consegui vaga no alojamento e bolsa-auxílio, que hoje gira em torno de R$ 400. Se não fosse assim, teria que abrir mão do curso – pondera Milton, que é filho de um operário aposentado e uma dona de casa.

O montante é o mínimo para ele se alimentar e garantir as cópias de textos acadêmicos. O aluno também reclama das condições do alojamento:

– É comum faltar água, há vazamentos, a internet falha com frequência e a fiação é antiga. Temos só o mínimo que alguém precisa para sobreviver.

Para Edson Nunes, diretor-geral da Faculdade AVM e ex-presidente do Conselho Nacional de Educação, o Sisu acaba com a regionalização das vagas das instituições públicas de ensino superior que aderem ao sistema. Segundo o especialista, com a disputa nacional, a tendência é que o mérito seja mais recompensado.

– Quando você faz um vestibular nacional para o acesso às vagas universitárias do governo, que são nacionais e não regionais, você universaliza o ensino brasileiro. O Sisu resolve o dilema federativo. A consequência disso é que os paulistas e os cariocas vão ocupar vagas lá no interior do Nordeste e na faculdade de Medicina do Pará . Pode ser que o cara de Pernambuco não entre – exemplifica Nunes.

Ele avalia o saldo como positivo:

– Não há nada errado nisso, porque o tributo (para educação) é federal. O Brasil ficou mais competitivo, o que é ótimo. Criou-se uma competição nacional de elite, que pode transitar no país para ingressar no ensino superior.

As informações são do O Globo

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