Cobranças indevidas: estratégias de gerentes fazem clientes apelar à Justiça

Correio da Bahia

Já tirou o extrato da sua conta este mês? Então, tire. Um extrato mensal é de graça e pode lhe poupar de ser mais uma vítima de manobras dos bancos. Manobras como o que a empresária Luciana Magalhães foi vítima. “Eu tiro extrato sempre, mas nunca prestava muita atenção. Nesse dia estava de bobeira, tomando água de coco, e comecei a conferir”, conta ela, que percebeu que estava sendo cobrada, havia três meses, pela anuidade de um cartão de crédito que nunca pediu.

“Na verdade, eles ativaram, do nada, a função crédito do cartão que eu já tinha, sem eu pedir. E como o valor era pequeno, R$ 6,99, se eu não tirasse o extrato, nunca iria perceber”, relata.

Luciana chegou a ligar para o banco, mas eles só cancelaram o cartão e ligaram de volta em busca de um acordo quando ela entrou na Justiça, em abril deste ano. A empresária não aceitou e acabou conseguindo R$ 1 mil de indenização alguns meses depois.

O advogado de Luciana, Tiago Moura Santana, observa que sua cliente foi lesada duas vezes: “Primeiro, porque nunca pediu cartão nenhum. Segundo que, mesmo que tivesse pedido, nunca autorizou que a cobrança fosse feita por débito automático”, explica. Ele também lembra que é bom ficar atento à questão dos extratos. “Se você tirar vários de vez, eles vão te cobrar por isso. Mas se precisar fazer isso para verificar desde quando está acontecendo a cobrança, deve pedir esse reembolso também”, ensina o advogado.

 
Revelações
A história de Luciana é mais comum do que se pensa. Segundo um gerente de banco que pediu para não ser identificado, ‘presentear’ clientes com cartões não solicitados é uma prática corriqueira. “De cada 100 clientes, apenas um reclama. Por serem valores pequenos, a maioria nem percebe que teve o dinheiro debitado da conta. Esse prejuízo que o banco teve com Luciana, ele já recuperou no mesmo dia, com os outros clientes que foram cobrados e não perceberam”, destaca.

Ele explica que muitas vezes são os próprios gerentes que fazem a operação, para conseguir bater as metas de cartões do mês. “Nas outras vezes, a ordem vem de cima”, completa ele, acrescentando que as cobranças são feitas pelo débito automático estrategicamente. “Normalmente, os bancos já economizam papel, mas nesses casos há menos interesse ainda em emitir e enviar a fatura. Vão querer alertar o cliente para quê?”.

Numa conversa informal, um outro gerente, de outro banco, confirma que a cobrança de cartões de quem não pediu não acontece por engano. É proposital. “Estou tendo muitos problemas com cancelamento de cartões, porque o pessoal quando vê que o cliente tem um bom histórico sai fazendo cartão adoidado… e depois que a pessoa vê a cobrança, vem aqui reclamar”.

Mas não é só na questão dos cartões de crédito que é preciso ficar atento. Sabe aquela conta que você fechou há anos, e está aí todo tranquilão, achando que está tudo resolvido? Pois preste atenção ao que aconteceu com o servidor público federal Victor Carvalho Queiroz.

“Cancelei a conta, só que ela continuou ativa no sistema deles, como se eu tivesse devendo alguma coisa, algo em torno de R$ 10”, conta. “Reclamei, eles disseram para eu ficar tranquilo, que iriam resolver. Mas não adiantou nada. Recebi a carta de cobrança do banco durante oito meses e, no final, a dívida já passava de R$ 100. Por fim, ainda recebi um aviso de que meu nome seria incluído no SPC/Serasa”.

Formado em Direito e conhecedor das leis, Victor apelou para a Justiça. Dois anos depois da primeira cobrança, recebeu R$ 2 mil de indenização. “Eles mereciam ser condenados numa quantia maior, para que servisse de lição”.
As histórias de Victor e Luciana ilustram o que acontece diariamente com vários clientes. Segundo ranking recente do Banco Central, em outubro foram registradas 321 queixas referentes a débitos não autorizados e 166 de cobrança de serviços não contratados.

Os dois itens estão entre os cinco mais reclamados. Procurada, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou que as reclamações de cobrança indevida muitas vezes decorrem de contratos não bancários, como assinaturas de revistas e TV a cabo.

 

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