Em Alagoas, gado vira água e ração para ‘espantar’ pior seca

Há três gerações, a tradição se repete no sertão de Alagoas, a 212 quilômetros de Maceió. O taxista Roberto Rodrigues tem um tio, o Zé Roberto, que tinha 112 cabeças de gado no mês de março. E veio a seca. Entre julho e agosto, começou a vender os animais. Já se foram 74, tudo em troca de alguns litros de água, distribuídos por caminhões-pipa, e ração para os bichos. Hoje, tem 38 cabeças:

– A família não aguenta mais. Aí diz que vai abandonar tudo, quando vier a chuva. E a chuva vem. Aí começa tudo de novo. Vai comprando logo uns bezerrinhos e a gente esquece, disse o motorista.

Em tempos de chuva, a família sobrevive da agricultura familiar. Planta abóbora, não compra leite nem queijo porque as vacas pastam na vegetação farta e lambida pela água. A manteiga é feita em casa e o inhame é plantado no quintal.

– Se não existisse a seca, a terra daria tudo. Ninguém passaria fome porque o sertanejo aproveita qualquer palmo de terra.

Todas as quartas-feiras tem uma feira de gado, na cidade de Dois Riachos, a 245 quilômetros da capital alagoana. Uma vaca custa R$ 1.500 no sertão, em tempos de chuva. Na seca, o valor cai para R$ 300. E o sertanejo tem cada vez menos dinheiro para comprar os animais. E o gado está cada vez mais magro- e desvalorizado.

– A gente reza quando vem gente de fora para comprar os animais. Eles têm mais dinheiro.

E por que a família não abandona tudo?

– É a única coisa que a família sabe fazer. Vem a revolta e tudo com esses políticos que estão aí. Mas, vai fazer o quê para sobreviver? Pior é que isso pode ser evitado, a seca vem todo ano. Tem jeito. Pior é político ladrão que enriquece a si e toda a família no meio disso tudo.

Veja galeria: seca no sertão alagoano

Em Santana do Ipanema, a chuva demora a cair desde agosto. Em três meses, o rio Ipanema- que dá nome a cidade- está tão seco que o leito é uma nuvem de poeira. A falta de energia elétrica é constante. São horas sem luz. Esta semana foram dois dias seguidos:

– A gente fala com a Eletrobrás. Aí eles dizem que é um fio partido. Quando a gente olha, Santana tem uma parte com luz e outra sem. Quando a gente diz isso, eles falam que a ‘luz volta aos poucos’. É prejuízo em casa, não tem eletrodoméstico que aguente esse vai e volta de energia. E no comércio não é diferente, diz o morador de Santana, Luciano Barbosa.

Não é diferente na cidade de Dois Riachos, a terra da jogadora Marta:

– A seca nos castiga. As vacas estão morrendo, estamos tomando banho de cuia. Graças a Deus. Às vezes, falta água encanada por três dias. Para quem tem depósito, é legal. Armazenamos água. Mas, quem não tem, Deus proteja, diz a professora Zélia Rodrigues, da cidade de Dois Riachos

Na viagem pelo sertão de Alagoas, uma passagem obrigatória pelo agreste e a zona da mata. Na cidade Maribondo, o motorista mostra a “fazenda de um barão”, um prefeito que ele prefere não citar. Um pedaço de chão que nem de longe faz lembrar o sacrifício de quem busca água no cenário sertanejo: um açude e uma casa grande.

– Aqui o prefeito faz as churrascadas. Vem cada ‘carrão’…

Em outra fazenda, de “um político grande”, um açude e muitos cavalos:

– Aí dentro tem um haras. Coisa de quem tem muito dinheiro. Não conhece a pobreza. Nem a sede.

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