Exército admite que alagoano foi torturado e morto na prisão

Relatório de um dos integrantes da Comissão Nacional da Verdade, Cláudio Fonteles, mostra que o operário alagoano Manoel Fiel Filho foi assassinado por oficiais do Exército, na sede do DOI/CODI (São Paulo), em 1976, na ditadura militar. A versão é conhecida, mas é a primeira vez que documentos- da própria Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI)- confirmam os detalhes da morte do alagoano, detido no dia 16 de janeiro de 1976, e a punição a oficiais por divulgar que ele cometeu suicídio.

“Levado ao DOI/CODI, o Relatório consigna que: “Às 08.30 hs. de 17 jan 76, o nominado foi interrogado, tendo sido recolhido de volta ao xadrez às 10.30 hs. Às 11.00 hs., Manoel foi novamente retirado do xadrez, face a necessidade de acareá-lo com seu contato Sebastião de Almeida. Na acareação ficou comprovado ter Manoel mentido quando declarou anteriormente que recebia apenas um exemplar do jornal Voz Operária, de Sebastião de Almeida, o qual declarou fornecer a Manoel oito exemplares do citado jornal, mensalmente.”, diz um trecho do relatório.

Manoel foi delatado por Sebastião de Almeida, em 15 de janeiro, também preso pelos agentes da ditadura. A acareação entre ambos durou 15 minutos. E foi colocado novamente na cadeia.

Diz o relatório do SNI:

“Às 12.15 hs., aproximadamente, o carcereiro de serviço, ao fazer a costumeira verificação dos presos, viu Manoel sentado no interior do xadrez, apresentando, como se deu desde o início de sua prisão, estar absolutamente tranqüilo. Já às 13.00 hs., quando o oficial de permanência encontrava-se no refeitório, foi cientificado pelo carcereiro de serviço que Manoel Fiel Filho suicidara-se no xadrez, utilizando-se de suas meias, que atou ao pescoço, estrangulando-se.”

Só que o relatório mostra que o próprio comandante do II Exército não aceitou o “suicídio”:

“Considerando o método de enforcamento usado, que não caracteriza de maneira geral o suicídio, o Cmt. Do II Exército, na manhã de hoje, determinou a prisão incomunicável dos elementos da equipe de interrogatório (1 Ten. PM, 2 delegados e 2 investigadores da Polícia civil ).”

Versão da época apontava para tortura e morte, mas nunca foi admitida pelos agentes da ditadura

 

E o relatório- com trechos citados por Cláudio Fonteles- continua:

“O Cmt. Ex. inicialmente designou um oficial do QG para proceder a uma sindicância. No entanto, por sugestão do Min. Do Exército, instaurou-se IPM, designado como encarregado o Cel. Alexander, Ch EM/2. Determinou também ao General Marques Ch EM II Ex, que face ao fato, antecipasse a reorganização do DOI/CODI/II Ex. Até o presente momento a imprensa ignora o assunto.”

A imprensa ainda não sabia da versão do “suicídio”. E o governador de São Paulo começava a pedir informações do caso Manoel Filho.

Consta, também, da ACE nº 15.413 – tomo 13 – fonte dessa evidência, encontrada na página 3, em pesquisa no Arquivo Nacional, outro documento, na página 2, que é manuscrito, em papel timbrado da República Federativa do Brasil, sem assinatura, destacando em tópicos os seguintes registros:

“- Cmt II Ex tinha designado o Cel. Charmiaut para proceder sindicância. Entretanto, por det. M. Ex. mandou instaurar IPM, cujo encarregado será oficial não representante do QG II Ex, possivelmente o Cel. Alexander, Ch. EM 2ª DE – Cmt II Ex det. Ao Gen. Marques, Ch. EM II Ex imediata reorganização do DOI/CODI/II Ex- Imprensa até momento ignora fato ( ainda não se manifestou )”

“-Gen. Ednardo mostra-se muito preocupado, contrariado e constrangido, particularmente pela intervenção do Governador de S. Paulo ( lembrou o Gen. Marques que qdo. foi solicitado IML, foi dito que tão logo tivesse uma informação concreta, o Governador seria informado )( Informação recebida às 11.45 hs de 19 de janeiro do chefe da AC/SNI pelo ch. SNI ).”

Diz o integrante da Comissão Nacional da Verdade:

“A conclusão claríssima é que aos 17 de janeiro de 1976, o operário Manoel Fiel Filho foi morto, mediante tortura, pela equipe de interrogatório, composta de 1 tenente PM; 2 delegados e 2 investigadores da Polícia civil do Estado de S. Paulo, pertencente ao DOI/CODI do II Exército, local em cujas dependências aconteceu a morte de Manoel Fiel Filho. Seus carcereiros atestaram a tranqüilidade de ânimo de Manoel Fiel Filho por todo o período em que preso estava – já por um dia -, enfatizando-a até nos 45 minutos que antecederam a descoberta de seu corpo”.

Para chegar a esta conclusão, sobre a morte do operário na prisão- por tortura, Fonteles lista perguntas

“Como justificar-se a intervenção do próprio Ministro do Exército?

“Como justificar-se a determinação do Comandante do II Exército no sentido da imediata prisão, em regime de incomunicabilidade, de todos os componentes da equipe de interrogatório?

“Como justificar-se a determinação do Ministro do Exército no sentido da imediata reorganização do DOI/CODI/II Exército?

“Por que o general Ednardo, comandante do II Exército, é acometido de estado de preocupação, contrariedade e constrangimento, dada a intervenção do Governador do Estado de S. Paulo?

“Resta, também, amplamente corroborado, e reforçado ante essa documentação, fica reiterado, secreta e emanada dos próprios serviços do Estado ditatorial militar, o quadro já traçado em literatura, e mesmo oficial, a propósito da morte de Manoel Fiel Filho”, encerra o conselheiro, em relatório.

Manuel Fiel Filho nasceu em Quebrangulo, em 1927. A entrega de corpo a família só foi realizada com a condição de que os parentes o sepultassem o mais rapidamente possível e que não se falasse nada sobre sua morte.

No domingo, dia 18 de janeiro de 1976, às 8 horas da manhã, ele foi sepultado por seus familiares no Cemitério da IV Parada, em São Paulo.

Veja relatório completo do conselheiro Cláudio Fonteles

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