Comissão da Verdade monitora morte de coronel que foi chefe do DOI-Codi

Zero Hora

O coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias, assassinado em Porto Alegre na noite de 1º de novembro, mantinha em casa dossiês sobre sua atividade dos tempos de caserna. Uma série de arquivos de papelão contendo folhas datilografadas com dados sobre o funcionamento dos serviços de contraespionagem da ditadura militar foram encontrados na sua residência.

O material interessa, e muito, à Comissão Nacional da Verdade, criada pelo governo federal para examinar e esclarecer violações de direitos humanos praticadas durante o regime autoritário que vigorou entre 1964-1985.

Dois assessores técnicos da Comissão Nacional da Verdade estão em Porto Alegre para colher informações sobre o coronel, que há 30 anos chefiou o Destacamento de Operações de Informações — Centro de operações de Defesa Interna (DOI- Codi), órgão de informações e repressão do Exército. São, na realidade, dois juristas: o goiano Wagner Gonçalves, ex-subprocurador Geral da República e ex-presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, e o gaúcho Manoel Volkmer de Castilho, ex-procurador do Incra, procurador da República, juiz federal e desembargador do TRF-4 (com sede no Rio Grande do Sul).

Os dois visitaram nesta segunda-feira o Chefe da Polícia Civil gaúcha, delegado Ranolfo Vieira Junior, e também o delegado Luís Fernando Martins de Oliveira, da 14ª Delegacia de Polícia Civil (bairro Vila Jardim) da Capital e responsável por investigar a morte do coronel. Duas são as linhas de investigações da Polícia Civil a respeito do crime: assalto, possivelmente para roubar as 20 armas que o militar mantinha em casa. Ou vingança, feita por algum inimigo do passado ou até por ser um homem que sabia demais.

Da boca do delegado Luís Fernando, os dois representantes da comissão ouviram que, até o momento, não surgiram pistas de que o assassinato do coronel tenha sido motivado por vingança ou queima de arquivo — embora essas hipóteses não estejam afastadas. O policial não mostrou aos investigadores os dossiês encontrados na residência do oficial do Exército, mas fez um relato do tipo de arquivo encontrado. O material conteria informações sobre pessoas monitoradas na época pelo governo militar — como o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, que na época cogitava ser governador do Rio, o que acabou se concretizando. Molinas também tinha informações sobre a rotina de opositores e ex-militantes de organizações guerrilheiras, bem como do funcionamento dos organismos de contraespionagem governamental.

Caso a comissão solicite os documentos formalmente, eles serão disponibilizados. O material ficará primeiro à disposição da Secretaria da Segurança Pública (SSP), até porque ainda é objeto de análise no inquérito.

Com base no relato, os dois assessores da Comissão da Verdade se mostram propensos a acreditar que, apesar do seu passado na contraespionagem, o coronel pode ter sido vítima de bandidos comuns. Conforme Wagner Gonçalves, o coronel Molinas não constava da lista de pessoas a serem chamadas para depor, até por ter participação discreta no aparato militar repressivo.

— Muitas vezes o sujeito chefiava uma repartição, mas não sabia tudo que seus subordinados faziam. O nome do coronel Molinas não constava dos possíveis testemunhos da comissão — comenta Gonçalves.

Ele se refere ao episódio da explosão da bomba no Riocentro, quando dois militares do Exército tentaram realizar um atentado e foram vitimados pela explosão. Os dois trabalhavam no DOI-Codi, subordinados a Gonçalves.

A comissão, que até agora teve oito audiências públicas e mais de uma dezena de depoimentos, continuará acompanhando a investigação do assassinato.

Relembre o caso:

– Abordado no caminho entre o bairro Petrópolis, onde mora uma das filhas, e a casa, localizada na Rua Professor Ulisses Cabral, o coronel reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias, 78 anos, foi assassinado, na noite de 1 º de novembro.

– Molinas Dias teria entrado em luta corporal com um bandido, que estaria no banco do carona. Ao descer, o militar foi atingido por três tiros. No local do crime, foram realizados 15 disparados.

– O militar era o comandante do Destacamento de Operações de Informações — Centro de operações de Defesa Interna ( DOI- Codi), no Rio de Janeiro, no controvertido Caso Riocentro, em 1981, quando um atentado desastrado matou um sargento.

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