A dinâmica urbana da violência no Brasil

Estadão

As expressivas quedas dos homicídios em São Paulo pouco alteraram o sentimento de insegurança da população, mas são um indicador importante de que vidas foram salvas. Por outro lado, outras regiões metropolitanas registraram altas significativas nas taxas de homicídios. O problema da violência urbana revela a sua gravidade a partir da década de 1980, quando o Brasil registra um alto crescimento do fenômeno. Passados mais de 30 anos, as taxas permanecem altas, mas com uma distribuição muito diferenciada.

Apesar da conhecida concentração espacial – o homicídio não se distribui uniformemente no interior de países, metrópoles e cidades -, as décadas de 1990 e de 2000 apresentam inversões importantes. Regiões antes violentas registraram quedas e outras consideradas “ilhas de tranquilidade” se igualaram às metrópoles. Nesse momento, ganha força a tese da interiorização dos homicídios, que carece de uma discussão mais refinada e evite a redução do problema à polarização metrópole versus interior. Enquanto os assassinatos crescem no interior, o conjunto das metrópoles continua a concentrar o maior número de mortes e as mais altas taxas de homicídios. Ou seja, a probabilidade de alguém ser morto numa região metropolitana ainda é mais alta.

São, portanto, duas as principais mudanças em curso na distribuição espacial dos homicídios: a primeira, associada ao reposicionamento das metrópoles no rol das mais violentas; e a segunda, ao crescimento dos homicídios fora das áreas metropolitanas, fenômeno que passou a ser chamado de “interiorização da violência”. Nesse sentido, são emblemáticas as quedas de Rio e São Paulo no ranking das metrópoles mais violentas, acompanhada pela ascensão de Belém e Vitória. Por outro lado, merece destaque o surgimento de aglomerados de municípios violentos, como nas porções sul e leste da hileia amazônica, ou o corredor que se estende da zona da mata nordestina até o sertão, incorporando cidades de Pernambuco, Alagoas, do extremo norte da Bahia e do interior de Sergipe.

Ao focar nos espaços marcados pela expansão dos homicídios, o que se observa não é um crescimento uniforme, mas a priorização de territórios específicos, com dinâmicas econômica e/ou populacional ligadas a processos recentes de urbanização. A criminalidade mantém um padrão metropolitano e forte territorialização, contrariando a tese generalista da “interiorização da violência”.

Analisando o interior das áreas metropolitanas, verifica-se a concentração dos homicídios nas periferias da cidade-pólo e das áreas que cresceram de forma desordenada e com baixa oferta de serviços públicos e infraestrutura, ou nas favelas das áreas centrais. São espaços carentes de controles e institucionalidades, e, por isso, propícios aos conflitos.

Tudo isso leva a crer que as políticas de combate à criminalidade no Brasil, dentre as quais se destacam as medidas repressivas e o encarceramento, não são suficientes para o controle dos homicídios e da criminalidade interpessoal. Os homicídios tendem a se proliferar nos espaços urbanos antigos ou novos com carência de investimentos públicos. Outro fator que atesta a gravidade e a falta de controle sobre o fenômeno criminal são as variações nas taxas de homicídios entre as diferentes regiões metropolitanas; o caráter errático de sua manifestação no interior de algumas regiões (como na Grande Belo Horizonte), e as dificuldades de se identificar de maneira clara os determinantes de sua manifestação, como no caso da Grande São Paulo. Tudo isso mostra a gravidade do problema e uma desatenção sobre a dimensão urbana, seja do ponto de vista das carências de políticas públicas, seja da compreensão da natureza da sociabilidade que se constrói hoje entre as principais vítimas e atores dos homicídios – os jovens -, assim como das especificidades da organização da criminalidade urbana brasileira.

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