DNA de filho é achado no cérebro da mãe

Agência O Globo

A ideia de que as mães sempre têm seus filhos na mente parece ser literalmente verdade. Uma descoberta, anunciada esta semana na revista científica “Plos ONE”, sugere que o ato de conceber uma criança não representa a transmissão de material genético apenas da mãe para o filho. O caminho oposto é possível, e parte do DNA do feto pode entrar no cérebro da mãe e permanecer ali por décadas. Isto poderia, inclusive, estar associado a doenças neurológicas na mulher.

Traços genéticos misteriosos

No estudo, uma equipe do Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, e da Universidade de Washington realizou a autópsia de 59 cérebros de mulheres — 33 delas com Alzheimer — que morreram com idades entre 32 e 101 anos. Em 63% dos cérebros, eles encontraram DNA masculino. Embora espalhados por todo o cérebro, os traços genéticos deste outro indivíduo foram encontrados com mais frequência no hipocampo do cérebro — uma região crucial para a consolidação de memórias — e nos lobos parietais e temporais do córtex pré-frontal do cérebro, áreas que desempenham um papel na sensação, percepção, integração sensorial e compreensão da linguagem.
“Esta linha de pesquisa sugere que precisamos de um novo paradigma na nossa própria concepção biológica e como somos formados.

Nós pensamos que somos um produto genético de nossos pais biológicos, acrescentando a sorte genética. Mas isto parece estar errado: no útero, nós também podemos adquirir o DNA de irmãos mais velhos deixados ou do irmão gêmeo. No curso de nossas vidas, nós podemos ter traços do DNA dos filhos que geramos ou até de filhos que chegamos a conceber, mas o perdemos num aborto. E este DNA pode permanece conosco um longo período de tempo”, afirmou a reumatologista J. Lee Nelson, do Centro Fred Hutchinson, e coautora do novo estudo.

Prova de que o DNA permanece por longo período foi a descoberta, durante a pesquisa, do material genético masculino no cérebro de uma mulher de 94 anos. Os pesquisadores acreditam que a presença de traços de DNA masculino no cérebro feminino pode ter ligação com o risco maior para algumas desordens neurológicas e menor para outras, como o mal de Alzheimer.

Diversidade genética

Uma pesquisa do centro médico da Universidade de Leiden, na Holanda, já tinha mostrado que, durante a gravidez, células da mãe e do feto podiam ultrapassar a placenta e sobreviver por décadas na pele, no fígado e no baço, num fenômeno chamado microquimerismo. Em estudos anteriores, como o de 2010 publicado no periódico “Stem cells and Development”, o DNA do feto pôde, inclusive, ultrapassar a barreira de sangue do cérebro e entrar no órgão de camundongos do sexo feminino, durante a gravidez .

“As fontes do nosso DNA são mais variadas do que sabemos. E esta troca de DNA pode ter um papel evolutivo muito maior do que imaginamos”, salientou Nelson.

De acordo com a pesquisa, este resultado sugere que, durante a gravidez, a barreira de sangue do cérebro se torna mais permeável e permite que células fetais consigam ultrapassá-la. As células do feto masculino foram capazes de entrar no cérebro, e, provavelmente, o mesmo deve ocorrer com as células do feto feminino, apesar de isto não ter sido comprovado cientificamente.
Contradizendo estudos anteriores, uma questão que intrigou os cientistas nesta pesquisa foi que os cérebros de alguns pacientes com a doença de Alzheimer tinham menos chances de conter o DNA masculino, e quando o material estava presente, geralmente era encontrado numa quantidade menor do que em cérebros saudáveis. Este era o resultado oposto do que os pesquisadores esperavam. Eles supõe que isto ocorra devido ao número ainda reduzido de cérebros analisados ou a outros fatores desconhecidos no histórico de vida da mulher.

O pesquisador Edward Scott, do Departamento de Genética Molecular e Microbiologia da Universidade da Flórida, acrescenta que talvez um dia seja possível à mãe e ao filho aceitarem transplantes um do outro sem a necessidade de drogas imunossupressoras.

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