Monopólio no crédito consignado

Renato Oliva- O Globo

No ano passado, o Banco Central publicou a circular nº 3.522/2011, proibindo convênios entre bancos e entes federativos que apresentassem cláusulas restritivas à livre escolha bancária para a tomada de crédito consignado. Em princípio, a medida do BC foi saudada como a necessária intervenção da autoridade monetária para fazer valer os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. No entanto, como se verificou, não obtiveram sucesso as iniciativas voltadas para a interrupção de todos os contratos até então em vigor.

Em função desse cenário, atualmente servidores públicos de cinco estados e cerca de 40 cidades, representando um contingente de aproximadamente 2,5 milhões de pessoas, continuam vinculados a uma única instituição financeira, sem poder exercer a portabilidade da conta ou buscar no mercado as melhores taxas de juros. Em São Paulo, por exemplo, além da capital, vários servidores públicos são prejudicados em cidades do interior do estado.

Diante de tais circunstâncias, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) foi chamado a intervir e, depois de análise acurada, determinou a suspensão imediata dos contratos que apresentassem cláusulas de exclusividade. O Cade também abriu investigação em relação aos contratos mantidos pelo Banco do Brasil, para apurar possível “abuso de poder econômico”.

A declaração do conselheiro Marcos Paulo Veríssimo, do Cade, foi de uma clareza cristalina: “O ponto central a considerar é que não me pareceu concebível que um mercado desse tamanho fique isento de tutela antitruste por vácuo legislativo e que um player com ativos no montante de quase R$ 50 bilhões receba um salvo-conduto concorrencial.” E continuou: “Aqui a exclusão de competidores é o próprio objeto da cláusula contratual. Ele parece ter comprado um insumo essencial ao crédito consignado, qual seja, a folha de pagamento dos funcionários públicos.”

A decisão do Cade foi ratificada pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região, por meio de brilhante parecer da juíza Maria Cecília de Marco Rocha. Ao confirmar a competência do Cade para atuar no segmento financeiro, a magistrada cita a Lei 8.884/94, que atribuiu natureza autárquica ao órgão antitruste, conferindo-lhe competência para atuar na prevenção e repressão ao abuso do poder econômico, julgando administrativamente as condutas anticoncorrenciais e controlando os atos de concentração que possam trazer prejuízos à livre concorrência.

Entre as determinações do Cade ao Banco do Brasil estão as seguintes: 1) cessar a assinatura de quaisquer novos contratos contendo cláusula de exclusividade de consignação; 2) suspender quaisquer acordos vigentes que tenham ou possam vir a ter os escopos referidos no item acima; 3) comunicar o teor da decisão, individualmente, a todos os servidores públicos que com ele tenham, atualmente, contratos vigentes de crédito consignado, informando-os, ainda, da possibilidade de quitação antecipada de seus contratos; 4) apresentar ao Cade cópias de todos os contratos envolvendo práticas coincidentes com aquelas referidas no item 1, assinados desde 2006; 5) publicar em jornais de grande circulação o teor da medida preventiva. Na hipótese de descumprimento, foi fixada multa diária de R$ 1 milhão.

A despeito desse quadro, o Banco do Brasil e outras instituições financeiras detentoras da exclusividade continuam postergando os contratos antigos. Diante desse cenário que perpetua o monopólio, foi apresentado o projeto de lei 2.342/2011, cujo escopo é vedar às instituições financeiras a celebração de convênios, contratos ou acordos que impeçam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições.

Em última análise, o projeto de lei visa a salvaguardar os funcionários e servidores públicos que desejem estabelecer a contratação de crédito consignado voluntário com a instituição financeira que melhor atenda a suas expectativas, sem necessidade de vincular-se à instituição conveniada com seu órgão ou empregador.

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