Cotas inconstitucionais

 Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr.- Correio Braziliense

No início do mês, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) esteve reunido para deliberar sobre a política de cotas e seus respectivos critérios. Apesar da proposta de aumento da reserva de vagas para 40%, foi decidido pela manutenção do patamar de 30% até então adotado. Quase que concomitantemente, o Senado aprovou na terça-feira, 7 de agosto corrente, projeto de lei ampliativo que determina a reserva de, no mínimo, 50% das vagas nas universidades federais para alunos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Para tanto, foi estabelecido um critério misto, dividido em quesitos ligados à renda familiar (igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita) e outro racial, vindo a beneficiar negros, pardos e indígenas. O projeto será agora enviado para a sanção presidencial.

A senhora presidente, segundo consta, simpatiza com o projeto de lei. Todavia, nem tudo que é simpático é constitucional. Logo, é preciso cautela para evitar que, na ânsia de atender um fim social, não se cometa um deslize de suprema ilegalidade. Pois bem, é sabido que o egrégio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a política de cotas, dentro de um paradigma de ações afirmativas com vista à redução de desigualdades históricas, é ato válido e constitucional. Isso, todavia, não significa que as universidades estão livres, leves e soltas para implementar medidas sem a observância de outras regras legais cogentes e imperativas às diretrizes fundamentais da educação brasileira.

Sobre o ponto, merece destaque o art. 208, inciso V, da Constituição Federal que, sem meias palavras, determina que o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística se dará “segundo a capacidade de cada um” (art. 208, V, CF). Como se vê, a Lei Maior, objetivando resguardar a excelência do ensino superior, estabeleceu um critério meritocrático de acesso à universidade pública. Essa é a regra geral a ser observada. Portanto, as cotas devem ser utilizadas de forma acessória e subsidiária e, sob hipótese alguma, poderão comprometer o mérito e a qualidade universitária. Se isso ocorrer, serão absolutamente inconstitucionais.

Aliás, não se pode perder de vista que, nos límpidos termos constitucionais (art. 208, I, CF), o dever do Estado é obrigatório e universal especificamente com a educação básica dos 4 aos 17 anos. Posteriormente, é garantida uma “progressiva universalização do ensino médio gratuito” (art. 208, II, CF). Todavia, no tocante ao ensino universitário, o critério primordial é o mérito, pois a academia é a casa sagrada da excelência científica. O problema é que o governo é incapaz de proporcionar um ensino público fundamental de qualidade e, como forma de diminuir a pressão sobre sua gritante incompetência, começa a utilizar a universidade pública como instrumento de um temerário populismo político.

Se realmente quisesse implementar uma política de cotas séria e responsável, o governo deveria garantir um ensino básico de qualidade a todas as crianças do Brasil, independentemente de raça, cor ou classe social. Ocorre que criança não vota e, assim, as atenções se voltam às universidades e a seus jovens eleitores. Se a juventude não votasse, o ensino universitário também estaria condenado à penúria e ao desleixo governamental. Então, não se enganem: quando fala de cotas, o governo apenas busca o voto dos universitários, usando a cintilante retórica da hipocrisia para esconder seus tristes fins.

Por assim o ser, o projeto de lei em discussão possui nítidos traços de inconstitucionalidade, a merecer o consciente veto presidencial. Aliás, a proposta legislativa possui uma sutil particularidade: a reserva de vagas foi de, “no mínimo, 50%”, ou seja, o projeto fixou um piso, deixando o teto ao livre sabor dos ventos. Dessa forma, se não cuidar, o populismo acadêmico poderá chegar às raias dos 100%, implodindo irreversivelmente com a inerente qualidade do ensino universitário. Mas não será a intenção por trás das cotas?

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