Justiça condena site por publicar comentário de internauta contra presidente do TRE

Decisão de primeiro grau do Judiciário alagoano condenou um site a pagar R$ 100 mil por publicar comentário dos

Orlando Manso cobra R$ 100 mil de indenização; decisão cabe recurso

internautas, considerado ofensivo, ao desembargador e presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Orlando Manso. A ação de indenização por danos morais foi movida contra o site gazetaweb.com. O comentário foi publicado no dia 16 de junho de 2008. Ver decisão completa mais abaixo.

“Esse comentário traduz-se em notícia afrontosa, direcionada à pessoa do autor a fim de macular-lhe a honra, com potencialidade de causar desprezo público”, disse o juiz Marcelo Tadeu, que julgou favorável o pedido do magistrado.

A decisão cabe recurso ao Tribunal de Justiça.

Veja decisão completa

ADV: PEDRO JORGE B. DE LIMA E SILVA (OAB 268546/SP), CLAÚDIO FRANCISCO VIEIRA (OAB 1198/AL), PLÍNIO GOES FILHO (OAB 2328/AL) – Processo 0001555-09.2009.8.02.0001 (001.09.001555-0) – Procedimento Ordinário – Perdas e Danos – DEMANDANTE: Orlando Monteiro Cavalcanti Manso – DEMANDADO: Organizações Arnon de Mello – Busca e Apreensão SENTENÇA Vistos, etc.

ORLANDO MONTEIRO CAVALCANTI MANSO (…) ingressou com a presente AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra a ORGANIZAÇÃO ARNON DE MELO, ente privado com sede na rua Aristeu de Andrade, 355, bairro do Farol, nesta cidade. De modo bastante resumido, aduz a inicial, que em meados do mês de junho de 2009, a Ré, por sua conduta omissiva, permitiu que o responsável pela edição e manutenção da plataforma virtual www. Gazetaweb.Globo.com liberasse comentários de internautas relacionados à pessoa do autor, ‘depreciativos e danosos a sua honra pessoal’.

Esses comentários figuraram no contexto da reportagem feita pelo site sobre ‘a mobilização das autoridades no combate a perniciosa compra de voto’.

Para o autor, magistrado e, por ocasião do fato integrante do Tribunal Regional Eleitoral, os comentários pejorativos foram além de sua pessoa, pondo em ‘xeque’ a própria credibilidade da Corte Eleitoral.

Por isso, defendendo que o fato (causa de pedir) tem repercussão no Direito, trabalhado pelas normas afetas à Constituição Federal, Lei de Imprensa e o Código Civil, pugna pela condenação da Ré na reparação dos danos morais suportados pelo autor, no valor a ser fixado nessa decisão, bem como em honorários advocatícios na razão de 20% sobre o valor da condenação e custas processuais.

Citada, a Ré contestou, fls. 56/64. Em sede de preliminar, sustenta a ilegitimidade ad causam passiva, por dois motivos: excludente de responsabilidade em virtude do ato ilícito ter sido praticado por terceiro, além de anunciar que o veículo de comunicação propalador do ato ofensivo, Gazetaweb, é pessoa jurídica independente da Ré.

No mérito, procura demonstrar que a matéria veiculada é de cunho narrativo e explicativo, não tece nenhum comentário crítico à pessoa do autor, enquanto pessoa física ou magistrado, tanto que não há relação de causa e efeito, pois a ofensa partiu de terceiro perfeitamente identificado. Se não por isso, alerta para a qualificação do autor, pois em se tratando de autoridade pública, essa está sujeita à crítica social.

Em réplica, o Autor reafirma seu direito, observa que a Ré força a interpretação do princípio da liberdade de expressão, ao defender que sobre sua égide, ofensas aos direitos da personalidade podem ser assacados e justificados, o que não é admissível, rebate as preliminares suscitadas, 70/88.

Não foi possível conciliar o conflito pela ausência da parte autora, fl. 108. Nessa ocasião, foi atendido o pleito da Ré de anexar aos autos o ato constitutivo da empresa Gazetaweb, que reforçaria a tese de ilegitimidade da Ré, dando-se oportunidade do Autor falar sobre o mesmo.Relatados, decido.

Cuida-se de Ação Reparatória por Danos Morais. O autor, Magistrado, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, no exercício da Jurisdição Eleitoral junto ao Tribunal Regional Eleitoral, alega que teve sua honra ofendida em virtude do comentário malidicente, produzido pelo internauta supostamente cognominado André Ribeiro, detentor do suposto endereço eletrônico [email protected].

O comentário foi liberado para a página do site eletrônico Gazetaweb, por intermédio do seu responsável, no compartimento reservado às manifestações sobre a matéria intitulada “Autoridades se unem no combate à compra de votos”.

Esse foi o conteúdo da manifestação: “O que quer o TRE de Alagoas? Achar que o povo de nossa terra é burro? Um tribunal que tem Orlando Manso no seu quadro, pai do Prefeito de Paripueira, Henrique Manso, cunhado de Cícero Amélio, esposo da Juíza Ester Manso, pei (sic) de mais dois filhos juízes, pode um homem desses ter ombridade (sic) para eleição? (Gazetaweb, 16.06.2008 -André Ribeiro)”.

A controvérsia prescinde de prova, de modo que cabível o julgamento conforme o estado do processo, art. 330,I do CPC.

Sobre a preliminar de ilegitimidade passiva, devo rejeita-la mediante os seguintes argumentos: A Ré, Organização Arnon de Melo, conforme previsto no seu contrato social, é uma sociedade limitada que tem como objeto “a prestação de serviços de assessoria e administração a empresas de qualquer natureza, de modo particular àquelas que explorem e desenvolvam atividades gráficas, jornalísticas e de telecomunicações (rádios e televisões), formulando-lhes uma política global a ser seguida, implementando normas, métodos e rotinas de organização e administração” (grifei), como reza a cláusula segunda, fls. 114. A Gazeta On line Ltda, por sua vez, tem seu objeto social fixado na atuação como Empresa de Tecnologia da Informação Orientada à Negócios, dispondo a cláusula quinta do Contrato Social das áreas de desenvolvimento empresarial, dentre eles aquele voltado para o comércio eletrônico, no qual se contempla sites comerciais e portais, fl. 120/21. Assim, o portal Gazetaweb.Globo.Com seria de responsabilidade dessa empresa, que não se comunica com a Ré em virtude dos diferentes objetos sociais, quadros societários e Cadastro de Pessoa Jurídica.

Eis o primeiro argumento que a Ré utilizou para pleitear sua exclusão da relação jurídica processual. Em que pese essa anotação de traços distintos, observa-se que o objeto social da Ré tem caráter imperativo e de amplitude empresarial, porque impõe às empresas voltadas especificamente para atividades jornalísticas e de telecomunicações, o emprego de normas, métodos e rotinas de organização e administração, sendo certo que nesse contexto inserese as regras de funcionamento e controle administrativos quanto a liberação dos comentários lançados sobre matérias jornalísticas veiculadas pelo site Gazetaweb, de responsabilidade da Ré.

Esse vínculo ou estreiteza empresarial é flagrantemente notada e reforçada pela postura processual da Ré de manter-se inerte quanto à denunciação à lide daquela supostamente responsável contra quem poderia demandar com eventual direito de regresso, art. 70, inciso III do CPC, Outro argumento diz respeito ao fato de que os comentários tido como ofensivos foram feitos por terceiro, que leva à exclusão da Ré do polo passivo da demanda, cabendo ao Autor direciona-la contra o responsável pelo comentário.

Ora, esse aspecto é de mérito porque a análise da responsabilidade de danos oriundos da atividade de imprensa, objetiva ou subjetiva, não escapa da pertinência ou não da atividade de terceiro. Superada a preliminar, passo para o mérito. Segundo a Ré, o pedido indenizatório não encontra sustentação jurídica, porque a matéria lançada no site foi de cunho exclusivamente narrativo, não fez nenhuma crítica ou comentário sobre o Autor. O comentário não foi de autoria do site, mas de terceiro identificado, não havendo portanto relação de causa e efeito.

Também padece de procedência porque o Autor, como autoridade pública, está sujeita à crítica social. Todo dano que guarde relação direta de uma conduta (comissiva ou omissiva) contrária ao Direito, será indenizável.

A obrigação de indenizar, independente da verificação da culpa, é legal na hipótese de a atividade causadora do dano for de risco ou nos casos especificados em lei. È a previsão da chamada responsabilidade objetiva estatuída no Parágrafo Único do art. 927 do CC, cujos pressupostos doutrinariamente trabalhados como essenciais, extraídos da teoria do risco, é a comprovação do nexo de causalidade entre a conduta externa violadora do direito (ato ilícito) e o dano produzido, sendo indiferente a verificação da culpa. Falando sobre a ampliação da responsabilidade objetiva, prevista nas relações de consumo, para as relações civis, Rosália T.V. Ometto discorre:

“Sob a égide da responsabilidade objetiva e da doutrina da reparação de danos, com o enfoque ao lesado e não ao lesante, está se cumprindo a norma maior: proteger a pessoa humana e sua dignidade?, inclusive dos excessos eventualmente cometidos pelo setor da imprensa que, a pretexto do exercício da liberdade de expressão, afronta a dignidade da pessoa humana.(grifo nosso).

É o caso dos autos. A matéria jornalística noticiava o esforço conjunto das autoridades no combate à compra de voto. Sabe-se que esse fenômeno eleitoral é fruto de práticas ilícitas, inclusive com tipificação na esfera penal. Dentre as Instituições voltadas para o seu combate, está o Tribunal Regional Eleitoral, sendo o Autor um dos integrantes de sua composição hodierna.

Nesse processo de enfrentamento da corrupção eleitoral, todas as autoridades inclusive o Autor, gozam de idoneidade suficiente para o exercício repressivo, qualidade que se viu abalada em relação ao autor, exatamente porque a veiculação do comentário não só pôs dúvida como quis incutir na consciência social de que o Autor não tinha hombridade para o mister, ou seja, faltava-lhe retidão de caráter, honradez.

Esse comentário traduz-se em notícia afrontosa, direcionada à pessoa do autor a fim de macular-lhe a honra, com potencialidade de causar desprezo público.

Esse indesejável aspecto social é ainda mais acentuado levando em consideração à qualificação do autor, pois trata-se de um magistrado no exercício da carreira há mais de 40 anos, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, na função jurisdicional eleitoral, de quem a sociedade espera exatamente a postura inversa à maledicente informação.

Com efeito, essa repercussão externa atesta a violabilidade de um dos atributos inerentes à personalidade, a honra, que para os germanos entranha-se na pessoa e com esta quer ser reconhecida pelos outros.

Por isso, elevada a categoria de valor constitucionalmente protegido, assegurando-se a quem ofendido o direito à reparação de dano, como preceitua o art. 5º, inciso X da Constituição Federal.

O inegável dano não foi provocado pelo internauta não identificado, mas pela Ré, ao permitir a publicação da notícia afrontosa consubstanciada no comentário, estabelecendo-se assim o nexo de causalidade entre a conduta e o dano dela decorrente, pressupostos essenciais à pertinência de um pleito indenizatório.

Em que pese existir divergência sobre a aplicação da responsabilidade objetiva nos casos em que a conduta lesiva tenha origem nos Órgãos de Imprensa, a prevalência de seu uso é muito bem defendida por Matilde Zavala de Gonzáles quando sustenta que a atividade informativa tem como elemento essencial a utilização de vasta gama de recursos humanos e materiais, sendo uma consequência inevitável a existência de erros que causem danos à honra e dignidade das pessoas,bem situado no plano normativo constitucional pela leitura do art. 1º, III c/c o art. 5º, inciso V da Constituição Federal.

Se inaplicável a teoria do risco de atividade, neste caso, a responsabilidade objetiva persistiria pelo dever de vigilância e da culpa in eligendo, ou seja, a ré não tomou as devidas precauções no sentido de emitir normas de gerenciamento do site, neutralizando a liberação do comentário, cabendo-lhe também por essa óptica responsabiliza-la pelo ressarcimento do dano, previstos no art. 932, III e 933 do CC.

Sobre a relativização do direito fundamental à privacidade questionado pela Ré, que o Autor na condição de autoridade pública não poderia reagir à crítica social, em decorrência do exercício do munus público, entendo que a pretensão da Ré é de obter supremacia do direito fundamental à liberdade de informação sobre a tutela do direito fundamental de personalidade, cuja resolução está no equilíbrio entre os valores, mitigando-se pontualmente o princípio contraposto.

A evidência do direito à informação não ser absoluto, obriga os profissionais da mídia se acautelar com vistas a impedir a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra, e sua inobservância, como aconteceu nesse caso, obriga o aplicador do direito inclinar-se na proteção da dignidade da pessoa humana, reafirmando-se o compromisso com o Estado Democrático do Direito, art. 1º, caput, da CF. O STJ, por intermédio da 4ªT, no julgamento do Resp 818764, fortaleceu meu convencimento: RECURSO ESPECIAL -RESPONSABILIDADE CIVIL – DANO MORAL – DIREITO DE INFORMAÇÃO – ANIMUS NARRANDI – DIREITO À HONRA -DISCUSSÃO VEDADA NESTA SEARA – REEXAME DE PROVA – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 07/STJ – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL -QUANTUM INDENIZATÓRIO – POSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO STJ – VALOR QUE EXTRAPOLA OS LIMITES DO RAZOÁVEL -INEXISTÊNCIA – MANUTENÇÃO DO MONTANTE FIXADO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS – RECURSO NÃO CONHECIDO.

1. A responsabilidade civil decorrente de abusos perpetrados por meio da imprensa abrange a colisão de dois direitos fundamentais: a liberdade de informação e a tutela dos direitos da personalidade (honra, imagem e vida privada). A atividade jornalística deve ser livre para […] informar a sociedade acerca de fatos cotidianos de interesse público, em observância ao princípio constitucional do Estado Democrático de Direito; contudo, o direito de informação não é absoluto, vedando-se a divulgação de notícias falaciosas, que exponham indevidamente a intimidade ou acarretem danos à honra e à imagem dos indivíduos, em ofensa ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana.

2. No que pertine à responsabilidade pelo dano cometido através da imprensa, o Tribunal a quo, ao apreciar as circunstâncias fático-probatórias, entendeu pela caracterização do dano moral, assentando que o recorrente abusou do direito de transmitir informações através da imprensa. Maiores digressões sobre o tema implicariam o reexame da matéria probatória, medida absolutamente vedada na via estreita do recurso especial, a teor da Súmula 07 desta Corte. Precedentes.

3. No que se refere à reparação por danos morais, temse que o valor arbitrado judicialmente não escapa ao controle do STJ, conforme remansosa jurisprudência desta Corte. Precedentes.

4. A lesão a direitos de natureza moral merece ser rechaçada mediante a fixação de indenização que repare efetivamente o dano sofrido, notadamente quando se trate de autoridade pública ocupante de cargo relevante na estrutura do Poder Judiciário Estadual, de modo que o patamar mantido pelo Tribunal a quo merece ser prestigiado. Precedentes.

5. Recurso especial não conhecido. A natureza jurídica reparatória do dano moral, amplamente difundida na doutrina, é sancionadora em relação ao agente causador do dano e compensatória em relação a vítima. A pretensão de reparação pecuniária equivale ao pedido de compensação do prejuízo sofrido pelo lesado, que não corresponde à reparação da dor, da mágoa, da angústia do sofrimento, mas “apenas aqueles danos resultantes da privação de um bem sobre o qual o lesado teria interesse reconhecido juridicamente. Assim, o dinheiro, na reparação do dano extrapatrimonial, não se apresenta como real correspondência monetária do bem atingido pela lesão, cumpre a função minimizadora da dor sofrida.

O problema está na sua quantificação que lamentavelmente o Código Civil de 2002 não resolveu, porém o Parágrafo Único do art. 953 do CC parece indicar uma indenização moral e que deve ser quantificada equitativamente.

Fica para o juiz a integração da norma mediante o uso da equidade, que consiste na realização de justiça no caso concreto. Com efeito, considerando o caráter compensatório e punitivo do dano moral, levando-se em consideração as partes da demanda, bem como a amplitude da indenização, ocasionada pela superada Lei nº 5.250/67 e da evolução jurisprudencial do STJ que reiteradamente tem-se pronunciado no sentido de que a reparação do dano não pode vir a constituir-se em enriquecimento indevido, sem prejuízo de ser fixada em montante que desestimule o ofensor a repetir o cometimento do ilícito, considero justa para esse caso a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais).Isto posto, julgo procedente o pedido e condeno a Ré, Organização Arnon de Melo, ao pagamento do valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em favor do Autor, Orlando Monteiro Cavalcanti Manso, correspondente ao dano moral.

Condeno ainda a Ré em honorários Advocatícios na razão de 15% sobre o valor da condenação, além das custas processuais. A correção do valor da condenação será feita com base no índice do INPC e juros de 1% ao mês a partir da citação.

Publique-se.Intime-se. Maceió(AL), 09 de julho de 2012

Marcelo Tadeu Lemos de Oliveira- Juiz de Direito

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