Coaracy Fonseca escreve: Prerrogativas ou Privilégios?

Coaracy Fonseca- é promotor de Justiça e ex-procurador de Justiça de Alagoas

Privilégios são comodidades próprias dos regimes que adotam o sistema de castas, nos quais as pessoas são diferenciadas pela origem familiar e pela condição econômica. O regime monárquico é um exemplo nítido.

Na república, não pode haver privilégios, distinções injustificadas. Admite-se, no entanto, que agentes públicos detenham prerrogativas, que são outorgadas para o melhor exercício das funções, em benefício da sociedade.

Parlamentares, membros do Ministério Público e da magistratura, por exemplo, são detentores de prerrogativas irrenunciáveis, pois são vinculadas aos Poderes e órgãos constitucionais.

Contudo, não existe direito absoluto, como reconheceu o STF em vários julgados. Mas as categorias citadas contrariam interesses de poderosos e fazem desafetos.

Os membros do Ministério Público combatem máfias, não raro infiltradas no próprio Estado.

É por isso que o promotor de Justiça tem a prerrogativa, nos termos do art.41, Parágrafo único, da Lei n. 8.625/93, de ser investigado pelo Chefe da Instituição; os magistrados pelo Poder Judiciário.

Quando eu exercia a função de PGJ, em tempos idos, instaurei procedimentos investigatórios contra membros da Instituição, deleguei poderes a comissões específicas para a apuração dos fatos.

Num desses casos, depois de rigorosa apuração, ofertei denúncia contra um colega no TJAL, acusado de crimes sexuais.

Pedi a prisão preventiva, não foi fácil. Mas a ele foi ofertada todas as garantias legais, apesar do clamor social.

No TJAL, o Desembargador relator entendeu que o processo deveria tramitar em primeira instância.

Não tive dúvida, ingressei com um HC no STJ para garantir a prerrogativa do imputado.

Quando as instituições deixam de observar as prerrogativas dos seus membros perdem força e credibilidade, e a autoridade competente passa a dispor de direito que não lhe pertence.

Pratica abuso de autoridade, principalmente se estiver a atender interesses de políticos ou na busca de obter benefícios pessoais.

Nos autos da PET 9018 AGR/DF, quando em jogo o direito do Min. João Otávio Noronha, o STF estabeleceu com maestria todas as distinções.

Foi mais além, aduziu que representação acompanhada de jornais não constitui prova para se dar início a uma investigação, não servindo ao oferecimento de denúncia.

Talvez a distância entre o direito dos livros e o real seja histórica.

Como acentua, em obra clássica, o americano Keith Rosenn: “O patronato deu origem no Brasil a um sistema jurídico ineficiente e venal. (A) Justiça era negociada como qualquer outra mercadoria, embora a entrega fosse mais demorada”.

A chefia do Ministério Público não pode ser exercida por um malandra qualquer. É uma função que exige seriedade e conhecimento do Direito.

Conta-nos François Rabelais que o Juiz Bidoyer decidia as causas sob sua cúria com base nos dados jogados ao alto. Mas quando ele se tornou a própria parte a ser julgada levantou o direito à fundamentação.

Nesse compasso, o mundo segue em frente.

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