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Fernando Farias e a volta dos usineiros ao Senado

Suplente de Renan Filho, atual ministro dos Transportes, Fernando Farias prepara discurso e roupa nova para a posse em Brasília no dia 1o.

O palavrório é esperado, mais canapés e rapapés.

Mas a história mesmo é o retorno dos usineiros ao Senado. Sem a necessidade de fazer campanha nem suar a camisa.

É que o suplente do senador, ao contrário do suplente de vereador ou deputado, é escolhido pelo titular da cadeira.

Fernando Farias é diretor do Grupo Carlos Lyra (Usina Caetés),  tem uma fortuna declarada à Justiça Eleitoral de R$ 7,7 milhões e doou R$ 350 mil para a campanha de Renan Filho.

Ele repete uma tradição na política local: uma das três vagas no Senado é ocupada por usineiros. É quase uma política compensatória, ao inverso, espécie de “bolsa açúcar”. E Brasília é familiar a este setor produtivo secular, ninado por todos os governadores de Alagoas, privilegiado no acesso a créditos bancários com juros amigáveis, acalentado pela classe política desde sempre.

Antes de Fernando, Givago Tenório, suplente de Benedito de Lira (2011-2019), também esquentou a cadeira no Senado por alguns meses. Seu tio, João Tenório, também foi suplente do cunhado Teotonio Vilela Filho. Quando Vilela venceu as eleições ao Governo e renunciou o Senado em 2006, João ocupou mandato por 4 anos.

Aliás, o grupo Carlos Lyra pode se gabar de ter seu segundo senador em Brasília. Carlos Lyra foi suplente de 1983 a 1987 e 1990 a 1991. Engenheiro químico formado pela Tri State University em Indiana (EUA), Lyra morreu aos 92 anos, em 20/08/2017.

O irmão dele, João, também foi senador entre 1989 e 1991. Dono do Grupo João Lyra, hoje em recuperação judicial, enfrentou e perdeu nas urnas para outro usineiro, Téo Vilela, na disputa ao Governo em 2005. JL morreu em 12/08/21, aos 90 anos.

Os irmãos Lyra carregaram no peito medalhas dos governos militares entregues pelos próprios generais-presidentes durante um regime que moía gente nos porões e nas ruas mas sabia reconhecer colaboradores e amigos. Em troca, Brasília abria as portas do poder para eles.

Aliás, o pai de Téo Vilela, Teotônio Vilela, também foi senador e usineiro mas andou na contramão dos colaboradores da ditadura. Morreu como um dos mais ferrenhos defensores da redemocratização brasileira. Reconhecido inclusive na biografia do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando ele foi preso em 1980. Vilela era oposição ao regime.

O papel dos usineiros

Na capital federal, os usineiros circulam por ministérios, levam suas agruras e prejuízos e não repartem lucros. Como os coroneis mais antigos, os usineiros querem que seus problemas sejam o do resto da humanidade. E quando houver festança nas choradas safras, também exigem a alegria de todos.

Em tempos de um Brasil discutindo o desmatamento da Amazônia, os usineiros passam incólumes. As queimadas no pulmão do mundo são chocantes mas o fogo nos canaviais preparando a colheita da cana de açúcar praticamente nem existe para os órgãos ambientais. Mais um presente.

Mas é na política – em especial no Senado- que os usineiros sabem garantir suas gigantescas fortunas. Também a aprovação de agrotóxicos mais potentes e mortais. Estudo publicado ano passado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) mostra que 30% das substâncias químicas lançadas pelos aviões em plantações de cana são associadas ao desenvolvimento de câncer.

A usina Seresta, da família Vilela, virou tese de doutorado na Universidade Federal de São Carlos.

Lúcio Vasconcellos de Verçosa, pesquisador, foi aos canaviais da usina em Teotônio Vilela e colocou um monitor de frequência cardíaca em 22 trabalhadores da cana.

“Nos canaviais trabalha-se até a exaustão, num grau de desgaste equiparável ao de um corredor fundista”, disse Verçoza.

Perda de peso, de sais minerais, dores nos músculos, cãibras.

O trabalhador da cana em Alagoas perde, com o tempo, o controle dos movimentos do próprio corpo.

“Nos canaviais de Alagoas, a exploração é levada ao extremo, anulando, inclusive, o futuro do trabalhador: muitos ficam incapacitados ainda em idade produtiva”.

O trabalho de Verçosa, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) é um dos mais importantes do Brasil na atualidade. A tese de doutorado dele vem mudando, até a visão da Medicina sobre o ritmo de trabalho nos canaviais.

Mas nenhuma alteração chegou a Alagoas. E se depender dos usineiros, as coisas ficam como estão. Somente eles podem ganhar.

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