Violência: Em 70% dos casos, mulheres não denunciam a 1ª agressão

Abusos acontecem porque mulheres têm medo e ainda carregam esperança de que relacionamento será diferente

O Tempo- Belo Horizonte

Ainda assustada, Fernanda*, 36, mostra na Delegacia de Mulheres as marcas das mordidas e socos que levou há três dias. O marido, com quem ela está há 16 anos, chegou em casa de madrugada e, transtornado, começou a agredi-la. Constrangida, ela conta que essa não foi a primeira vez, mas que só agora teve coragem de procurar a polícia. E ela não está sozinha; segundo dados da Justiça, em 70% das denúncias feitas em Belo Horizonte, as vítimas afirmam que aquela não era a primeira vez que apanhavam ou eram ameaçadas.

No caso de Fernanda, os abusos duraram um ano. E esse não é o único dado preocupante. Além de demorarem a buscar ajuda, as mulheres também desistem de levar o processo adiante. O juiz Relbert Chinaidre Verly, da 13ª Vara Criminal, diz que isso acontece em 80% dos casos.

“Elas voltam em alguns dias e querem desistir porque dizem que o marido melhorou”, afirma.

De acordo com a cientista política Marlise Matos, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as mulheres têm medo e são iludidas por uma esperança de que um dia o relacionamento será diferente.

Ciclo vicioso

A socióloga explica ainda que o intervalo entre a primeira agressão e a iniciativa de procurar pela polícia reflete um ciclo vicioso em que a mulher é envolvida pelo agressor. “Não começa com uma agressão; ela é só o ápice. Depois vem a lua de mel. O homem jura que vai mudar e que foi um deslize. A mulher acredita porque o ama e porque tem dificuldade de assumir que ele não é quem ela imaginava”, diz.

O problema é que, em pouco tempo, as promessas são esquecidas e as agressões se repetem. “Depois de algumas vezes, a mulher se sente frustrada e está tão destruída psicologicamente que não consegue sair dessa situação”, explica.

Em média, são 30 queixas espontâneas por dia na Delegacia Especializada em Crimes contra as Mulheres e outras dez conduzidas pela Polícia Militar.

Depois de prestar a queixa, a mulher e o agressor são chamados no Centro Integrado de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar. É ai que ela decide se deseja dar andamento ao processo judicial contra o companheiro.

* Os nomes das vítimas foram trocados para preservar suas identidades

Empurrão e ciúme obsessivo são sinais de problema

A delegada Maria Alice Faria, da Delegacia Especializada em Crimes contra a Mulher de Belo Horizonte, explica que, na maioria dos casos, a violência doméstica ‘segue uma escalada’. “O início pode ser a proibição de usar uma roupa ou um empurrão. Às vezes, a mulher nem percebe que aquilo é uma agressão. Mas ela permite, e o homem vê que pode fazer ainda mais”, explica Maria Alice.

A dona de casa Cleusa*, 31, conviveu por 15 anos com a violência física e psicológica do marido. Há 20 dias, ela acionou a polícia. Com medo, a mulher se abrigou na casa da mãe com os três filhos. “Ele ligou em seguida e disse que ia me matar. Fiquei com muito medo. Desta vez, acreditei que poderia morrer”, conta. Ela e os filhos estão, há duas semanas, em um abrigo para mulheres em situação de risco, na capital.

Cleusa conta que a última agressão não foi a mais grave, mas foi um ‘abrir de olhos’. “Ele brigou com meu filho mais velho e eu intervi. Ele não gostou e me bateu com o cabo de vassoura. Foi a última vez. Senti que estava pronta para dar um basta”, diz.

Mulher de malandro. A delegada afirma ainda que o alto percentual de mulheres que não denunciam os parceiros está longe de confirmar uma visão estereotipada de que ‘mulher de malandro’ gosta de apanhar.

“Mulher não gosta de ser maltratada. O problema é que está tão fragilizada que não vê saída”.

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