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Coaracy Fonseca: Ritos e rituais, o mistério de Fátima

Coaracy Fonseca- É promotor de Justiça

Portugal é um país que ainda preserva hábitos há muito esquecidos nos países de tradição católica. Existe ainda uma profunda religiosidade, que influi no seu conservadorismo familiar, que assusta e atrai. Para um estrangeiro oriundo de um país tolerante não é fácil entender uma tradição sem embrenhar-se em seus mistérios e, por serem mistérios, não podem ser explicados, apenas cridos e sentidos.

O Santuário de Fátima marca muito bem o que estou dizendo. O lugar é belíssimo, mas de uma beleza austera, que difere, em muito, da Igreja de São Pedro, no Vaticano, que guarda a suntuosidade de um Palácio Real. Mesmo àqueles que não creem, não sentir nada em Fátima parece-me impossível.

O céu é diferente de todos os outros, de um azul que congrega todas as cores; a luz do sol, que o torna mais atraente, aumenta a visão do conjunto e toca o coração do peregrino como uma flecha de fogo, que não queima, mas aquece, despertando sentimentos agudos, que talvez estivessem à espera de uma fresta, para que pudessem aflorar.

Joelhos ao chão, para aqueles que guardam pecados e promessas. A simbiose tornou o meu trajeto mais difícil e penoso. Uma senhora, mais corpulenta, passou por mim como um raio, e questionei, naquele instante, em solilóquio, com os olhos já esbugalhados pelo cansaço e pelas dores, se ela realmente tinha alguma dívida a pagar. Compreendi que as minhas eram imensas, mas, enfim, cheguei ao meu destino, com dores nas juntas e espírito leve.

Retornei a Lisboa. Dias depois, mochila nas costas, parti para a cidade do Porto, sem deixar de apreciar as vilas e municípios que antecediam o destino, paisagens sublimes. Em certo lugarejo, impressionou-me uma senhora vestida de negro e terço na mão, que vagava pela noite, talvez à espera do grande amor, que se foi, para nunca mais, ou bem velando pelo fado dos que partiram, também sem volta.

O turista conhece apenas a superfície, resolvi explorar um pouco mais, havia perdido o medo do escuro. O Porto é uma cidade alegre, cortada pelo Rio Douro, e que tem logo à frente Vila Nova de Gaia.

À noite a alegria toma conta dos bares e restaurantes que concorrem de um lado e do outro daquele misterioso curso d´agua. Os deuses do vinho e da música passam a operar, sem concorrência; sequer as mulheres concorrem entre si, de tão belas. Há de todos os tipos, cores e costumes.

É difícil resistir à sedução de certos prazeres que, assim, como o sagrado, também habitam o nosso ser e, talvez, sejam a razão do seu oposto. Parafraseando Choderlos de Laclos, naquele lugar era necessário o abandono de si mesmo, o entregar-se ao delírio da volúpia, em que o prazer se depura pelo seu excesso.

Mas, era apenas o começo. O meu coração determinava a subida do Rio, onde outros segredos aguardavam-me, talvez ancestrais. Não ofereci resistência, segui adiante. Não fui como turista. Contar algo? Talvez, em um próximo texto.

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