Fosse o Brasil um país que não arquivasse 80% das investigações a respeito de homicídios, o projeto que define os crimes de abuso de autoridade poderia funcionar para além do papel.
Por exemplo.
Diz o artigo 9º: É abuso de autoridade quem “ordenar ou executar captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais ou sem o cumprimento ou a observância de suas formalidades”.
Reforça o artigo 11º: Também é abuso de autoridade quem “constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência”.
E detalha o artigo 21º: É abuso de autoridade quem “invadir ou adentrar, clandestina, astuciosamente ou à revelia da vontade de quem de direito, o imóvel alheio ou suas dependências (…) sem autorização judicial”.
Isso poderia colocar atrás das grades o delegado ou o policial que prendesse alguém sem um mandado ou fosse cumprida uma diligência policial, autorizada pela Justiça, mas dando surras ou matando “ladrões” de chinelo de dedo.
Em 4 de novembro de 2014, uma operação do Gecoc terminou na morte de cinco “bandidos” em Guaxuma. Versão da polícia? Troca de tiros. Foi a única posição que prevaleceu.
Nada mais foi investigado.
Quem seria o fiscal da aplicação do artigo 9º, da futura lei (se passar a valer com aval do Senado) do abuso de autoridade?
Explica o artigo 12º: quem mostrar o preso ou investigado ou indiciado em inquérito policial- acusado, vítima ou testemunha- para a imprensa, pode ser preso por até quatro anos.
Ladrões pretos e pobres são exibidos nas coletivas quase diárias pelos órgãos de segurança.
Dois irmãos presos por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, em Maceió.
A Secretaria de Segurança Pública apressa-se: em coletiva, acusa-os na morte de um professor da Ufal.
Eles negaram o crime. Valeu o entendimento da SSP.
Foram soltos por não existirem provas contra eles.
Quem foi punido pela prisão dos irmãos?
Injusto socialmente, o Brasil assistiu a 59.627 mil homicídios em 2014. O mesmo Brasil lidera, no mundo, em mortes por homicídios em países que não estão em guerra.
Exterminam-se pretos, pobres, os de baixa escolaridade.
O projeto de lei sobre o abuso de autoridade não precisaria falar sobre pena de morte.
Porque os agentes públicos, direta ou indiretamente, patrocinam assassinatos, execuções, superlotação em cadeias.
E viram as costas para a sociedade.
“Não é que não haja alternativas. As alternativas somente não estão sendo levadas em conta”, disse, certa vez, Noam Chomsky.
O projeto do abuso de autoridade não leva em conta o Brasil real.