Cachoeira: Collor quer convocar procurador-Geral; PT tentou impedir

A CPI mista investigará as ligações do suposto esquema ilegal de jogos de azar comandado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e o setor privado

Valor Econômico

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encerrou a primeira semana de trabalhos da CPI do Cachoeira como um dos alvos prioritários do PT na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito. O partido quer levar o chefe do Ministério Público à CPI para questioná-lo sobre sua demora para apresentar uma denúncia contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), numa tentativa de constrangê-lo a poucos meses do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A CPI mista investigará as ligações do suposto esquema ilegal de jogos de azar comandado pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e o setor privado. Demóstenes é apontado como um dos integrantes do grupo. Além do senador, que deixou o DEM após as denúncias de envolvimento com Cachoeira, são também alvos do PT o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e a revista semanal “Veja”. O PT, partido da presidente Dilma Rousseff, foi o principal articulador da criação da CPI, apesar dos pedidos de “moderação” feitos pelos articuladores políticos do Palácio do Planalto.

Na primeira sessão da comissão, realizada na quarta-feira, a convocação do procurador foi requerida pelo senador e ex-presidente Fernando Collor de Mello (PTB-AL), mas o presidente da comissão de inquérito, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), prefere a saída mais diplomática do convite. O deputado Carlos Vaccarezza (PT-SP), ligado ao ex-presidente Luiz Iácio Lula da Silva, pediu sem êxito paraCollor não apresentar o requerimento. Na semana que vem, Vital do Rêgo e o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), devem visitar o procurador-geral da República para convidá-lo a explicar aos integrantes da comissão o conteúdo das investigações resultantes das operações Vegas e Monte Carlo, da Polícia Federal.

Pelo menos por enquanto, porém, Roberto Gurgel tem dito a interlocutores que não pretende ir à CPI. Argumenta que o inquérito está sob segredo de justiça. No Ministério Público, há a sensação de que a estratégia do PT é “desestabilizar o julgamento do mensalão”.

Segundo apurou o Valor, o PT fez uma avaliação do inquérito da Polícia Federal sobre as atividades de Cachoeira, e concluiu que Gurgel “vai cair por si próprio”. De acordo com um integrante do PT que acompanha de perto a tramitação do processo do mensalão no Supremo, “é só deixar a CPI andar. Vão aparecer coisas do Gurgel. Ele sentou em cima”.

Trata-se de uma referência ao fato de o procurador ter em mãos o inquérito da Operação Vegas havia três anos (desde 2009), sem tomar providências para denunciar Carlos Cachoeira. Lembra-se no PT que o antigo procurador Antonio Fernando de Souza fez a denúncia do suposto esquema do mensalão em fevereiro de 2006, quando nem o inquérito da Polícia Federal nem o relatório da CPI do Mensalão estavam prontos.

Por outro lado, autoridades da cúpula da Procuradoria-Geral da República sustentam que a decisão de Gurgel deveu-se a uma estratégia para garantir que as investigações tivessem resultados concretos. Elas sustentam que a Operação Vegas identificou o uso de aparelhos Nextel por Cachoeira e seus principais operadores. Se a denúncia fosse feita naquela época, argumentam, as interceptações telefônicas não surtiriam efeito. O grupo de Cachoeira acreditava que não teria as ligações interceptadas pela polícia porque os aparelhos foram adquiridos nos Estados Unidos.

O próprio procurador já explicou que não denunciou o esquema Cachoeira antes porque esperava pelos desdobramentos da investigação da PF, o que ocorreu com a Operação Monte Carlo. “Ele sentou em cima, não tem explicação. Já devia ter pedido demissão”, disse ao Valor um influente líder do PT.

O PT questiona as alegações finais feitas por Gurgel no processo do mensalão, no que se refere a José Dirceu. O procurador diz que o ex-ministro da Casa Civil é acusado de peculato, quando esta denúncia caiu na ocasião em que o Supremo decidiu abrir o processo. “Um procurador que assina uma alegação final num processo dessa importância e diz que José Dirceu está sendo acusado por peculato e ele não está já começa desmoralizado”, dizem os petistas. Dirceu responde, entre outras coisas, por formação de quadrilha.

Outros pontos das alegações finais do processo do mensalão são criticadas pelos petistas, como as passagens em que o procurador-geral classifica o esquema do mensalão como “grupo criminoso”. O PT tomou a frente da CPI e a cada dia deixa mais claro o seu objetivo: demonstrar que o “mensalão” – o suposto esquema de compra de votos no Congresso durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – foi uma farsa. “Aquilo foi feito a quatro mãos com o tucanato”, dizem líderes do PT, repetindo o que Lula já disse em público.

Segundo os petistas, a primeira tentativa para desestabilizar o governo Lula e tirar o ex-ministro José Dirceu da Casa Civil ocorreu com a divulgação de uma fita em que Waldomiro Diniz, um ex-auxiliar de Dirceu, pedia propina a Cachoeira. A segunda teria sido a entrevista em que o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou a existência do suposto esquema de pagamento a deputados, o mensalão.

As duas estariam interligadas pelo mesmo personagem: Carlos Cachoeira, que também estaria por trás da filmagem em que um funcionário dos Correios recebe dinheiro de um prestador de serviços, episódio que deflagrou a crise do governo Lula com o PTB de Jefferson.

Politicamente, este é o roteiro traçado na cúpula petista para a CPI do Cachoeira, e do qual inadvertidamente deu conta o presidente do partido, deputado Rui Falcão. Demóstenes já é considerado uma peça abatida. Gurgel vai cair por si, dizem. Os próximos alvos são o governador Perillo e a revista “Veja”.

Segundo um dos arquitetos da estratégia petista, não existe a intenção, neste caso, de controlar a imprensa. Se a revista usou o contraventor apenas como fonte, ponderou, não haverá problema. Mas, se houve alguma participação ativa dos jornalistas, “eles devem ser responsabilizados”.

O ex-ministro José Dirceu quer reabrir a questão das fitas feitas no corredor de acesso a seu apartamento no hotel Naoum, em Brasília, onde costumava receber autoridades. Pela qualidade das imagens, a avaliação do PT é que elas não foram feitas pelo sistema interno do hotel, mas provavelmente por “arapongas” a serviço de Cachoeira.

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