Após lei endurecer pena para tráfico de drogas, número de mulheres presas mais que dobra no Brasil

R7

Estudo realizado em 36 países que toleram o consumo de drogas mostrou que, em 22 deles, houve aumento da população carceráriaapós a adoção de políticas tolerantes com os usuários. O levantamento mostrou ainda que esse encarceramento é mais agressivo com as mulheres.

A pesquisa “Política de Drogas e Encarceramento” foi realizada pelo ITTC (Instituto Trabalho, Terra e Cidadania), organização que defende os direitos de pessoas com problemas na Justiça — confira aíntegra do levantamento, que foi divulgado na última quinta-feira (7).

No Brasil, por exemplo, a Lei de Drogasaprovada em agosto de 2006 levou a duas mudanças principais. Na ótica dos usuários, o consumo foi despenalizado — ou seja, continuou sendo crime, mas sem dar pena de cadeia. Já para o comércio de drogas, a lei equiparou o tráfico a crime hediondo e aumentou a pena de prisão.

Desde 2006, quando a lei entrou em vigor, até 2014, data das últimas informações disponíveis, a população carcerária no País aumentou 70%: saltou de 339.580 para 579.781. Os dados estão no relatório Infopen Mulheres, publicado em dezembro passado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça.

O aumento para homens e mulheres, contudo, é bem diferente, assim como o percentual de envolvimento com o tráfico.

Nesse período, a população carcerária masculina cresceu 68% (de 322 mil para 542 mil), enquanto que o aumento feminino foi de 117% (de 17.216 para 37.380).

Do total de mulheres atrás das grades, cerca de 21.600 (58%) respondem por tráfico de drogas. Para os homens essa taxa é de 23%.

Segundo a internacionalista Lucia Sestokas, uma das autoras do estudo, existem vários fatores que justificam o aumento do encarceramento feminino no período, e o endurecimento da Lei de Drogas é só “um deles”.

Ela ressalta, contudo, que o envolvimento dessas mulheres com o tráfico se deve a uma necessidade de “geração e complementação de renda”, em razão da “dificuldade de acesso ao mercado de trabalho”.

— A partir do nosso trabalho no ITTC, a gente vê que as mulheres trabalham no comércio de drogas porque [com esse trabalho] elas têm flexibilidade para ficar em casa e cuidar dos filhos, já que isso acaba se tornando uma responsabilidade delas, e não dos pais.

Segundo o Ministério da Justiça, 50% das mulheres presas têm entre 18 e 29 anos, 66% é negra e mais da metade não chegou a completar o ensino fundamental.

“A maioria dessas mulheres ocupa uma posição coadjuvante nesse tipo de crime, realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio; muitas são usuárias, sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico”, diz o relatório do MJ.

Segundo a cientista social Nathalia Oliveira, também autora da pesquisa, as mulheres presas são “predominantemente mães, provedoras do lar, rés primárias e são presas por crimes sem violência”.

América Latina

O levantamento do ITTC mostrou que o encarceramento massivo de mulheres por tráfico de drogas não é uma exclusividade do Brasil.

O México descriminalizou em 2009 a posse de pequenas quantidades para consumo de ópio, maconha, cocaína, LSD, metanfetaminas e heroína. De 2010 a 2015, a população carcerária total aumentou 16,5%. Para as mulheres subiu 36%, após uma queda de 5% no quinquênio anterior.

No ano de 2013, 48% das mulheres presas no México foram processadas por delitos relacionados a drogas.

Na Colômbia, uma lei de 2009 descriminalizou a posse de quantidades limitadas de maconha, haxixe e cocaína. A população carcerária geral aumentou 72% entre 2008 e 2015. Não há dados relativos a mulheres, mas se sabe que 45% delas foram presas nos últimos 15 anos por delitos envolvendo o tráfico.

O Equador despenalizou o consumo em 1991 e estabeleceu pena mínima de 12 anos para o tráfico. De lá para cá, a população carcerária total cresceu 237%. Não há dados relativos à taxa feminina. Contudo, enquanto os delitos por tráfico atingem 17% do total de presos, para as mulheres esse índice chega a 43%.

Na Bolívia, que descriminalizou o uso em 1988, a população carcerária quadriplicou desde então, chegando a 13.468 presos (em 2013). Desse universo, 1.724 eram mulheres, sendo que 48% delas respondem por delitos relacionados a drogas.

A situação das detentas no país andino sofreu alterações só no ano 2000, a partir da adoção de perdões judiciais para mulheres e benefícios para mães e grávidas. Com isso, o número de presas por envolvimento com o tráfico caiu 17% entre 2000 e 2012.

A Argentina, em 2009, despenalizou a posse de pequenas quantidades, mas manteve a pena de 4 a 15 anos para o comércio, estabelecida por lei de 1989. O número de mulheres presas por delitos relacionados a drogas entre 1989 e 2008 aumentou 271%.

Para se ter uma ideia da diferença para homens e mulheres na Argentina, no ano de 2013, “somente” 10,8% de todas as pessoas presas eram acusadas de tráfico, enquanto que 65% do total de mulheres presas foram por delitos relacionados às drogas.

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