Relator vota pela interrupção de gravidez em fetos anencéfalos

Somente ele votou até o momento. Em um voto que durou mais de duas horas, Marco Aurélio se manifestou favorável à antecipação terapêutica do parto no caso de fetos comprovadamente anencéfalos

Folha

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo em julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o direito de gestantes interromperem a gravidez nos casos de fetos anencéfalos (ausência de cérebro), votou a favor da antecipação terapêutica do parto na manhã desta quarta-feira.

“O ato de obrigar a mulher a manter a gestação [de feto anencéfalo], colocando-a em espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de autodeterminação, assemelha-se, sim, à tortura e a um sacrifício que não pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido”, disse o ministro.

Somente ele votou até o momento. Em um voto que durou mais de duas horas, Marco Aurélio se manifestou favorável à antecipação terapêutica do parto no caso de fetos comprovadamente anencéfalos.

Após o entendimento do relator, seguirão os votos de nove ministros da Corte. Apenas o ministro José Dias Toffoli não se manifestará, pois se declarou impedido por ter atuado no caso quando era advogado-geral da União.

Antes de iniciar a discussão específica da anencefalia, o ministro Marco Aurélio argumentou sobre a separação de Estado e religião. “O Estado não é religioso, tampouco ateu, o Estado é simplesmente neutro (…) A liberdade religiosa e o Estado laico significam que as religiões não guiarão o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais.”

“O Brasil não é um Estado religioso tolerante com minorias religiosas, mas um Estado secular tolerante com a religião”, destacou.

Em seguida, o relator passou a discorrer sobre o diagnóstico e as perspectivas extra-uterinas do feto anencéfalo, citando especialistas ouvidos durante as audiências públicas realizadas pelo tribunal.

“A anencefalia configura doença congênita letal, pois não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior”, definiu o ministro. “O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura”, concluiu ele.

Por não se tratar de uma vida, argumentou o ministro, não há conflito entre os direitos fundamentais. “Aborto é crime contra a vida, tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo não existe vida possível.”

Retomando dados científicos e argumentos colhidos durante as audiências públicas, Marco Aurélio afirmou que a vida pós-parto do anencéfalo é limitada a, no máximo, algumas semanas e que casos famosos de anencéfalos que teriam vivido por alguns meses e anos são, na verdade, erros de diagnóstico.

O relator rebateu um dos principais argumentos usados pelos grupos pró-vida que se manifestam contra a liberação. A potencial decisão de liberar o aborto de anencéfalos, disse Marco Aurélio, não seria a brecha para que permissões de aborto sejam dadas para fetos com outras patologias e anomalias.

“Não se trata de feto ou criança com lábio leporino, ausência de membros, sexo dúbio, síndrome de Down, distrofia de bexiga, cardiopatias congênitas… Enfim, não se trata de feto portador de deficiência grave que permita, mesmo assim, sobrevida extra-uterina. Cuida-se tão somente de anencefalia”, ressalvou.

 

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