50 anos de lucro versus salário

Essa diferença é explicada por duas razões: pela notável diferença entre o salário médio da administração pública que no período 1990-2009 foi, em média, 1,8 vez superior ao do setor privado e, em 2009 era 2 vezes superior; e pela inexistência de remuneração do capital público

Claudio Monteiro Considera é professor de  economia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador associado do  Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas/ Samuel  de Abreu Pessoa -é pesquisador associado do Instituto Brasileiro de  Economia da Fundação Getúlio Vargas e sócio da Tendência Consultoria- Valor Econômico

A distribuição pessoal da renda é diretamente  impactada pela distribuição da renda entre o capital e o trabalho. Esta  está ilustrada no gráfico abaixo: a remuneração do trabalho (que aqui  incorpora parte dos rendimentos dos autônomos), considerando o total da  economia (W na renda total), cresce progressivamente desde 1959, quando  tinha apenas 40% da renda do país, chegando a 57% em 2009. A evolução  positiva que se observa até 1990 sofre forte reversão durante os  primeiro anos da década de 90 e se recupera em 1995 (59%), decrescendo  daí em diante até 2005 quando volta a crescer.

É fato sabido que o  mercado de trabalho no Brasil funciona de forma bastante diferente  quando se trata do setor público (considerando apenas as administrações  públicas) ou do setor privado (empresas públicas e privadas e famílias).  As trajetórias da participação do rendimento do trabalho para o total  da economia e para o setor privado são semelhantes embora em magnitude  bem inferior no setor privado (8,4 pontos de percentagem a menos, em  média): a participação da remuneração do trabalho do setor privado, na  renda gerada por esse setor, cresce de 36% em 1959 para 49% em 2009, com  um máximo de 50% em 1995. Essa diferença é explicada por duas razões:  pela notável diferença entre o salário médio da administração pública  que no período 1990-2009 foi, em média, 1,8 vez superior ao do setor  privado e, em 2009 era 2 vezes superior; e pela inexistência de  remuneração do capital público.

Nota-se ainda, no gráfico, que as  variações da participação das remunerações de empregados na renda para o  total da economia e para setor privado guardam alguma relação com a  evolução do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, mas se diferencia  bastante no período 1995-2005, embora não haja razão teórica que  explique tal relação. Em outro trabalho os autores mostram que a  evolução do salário mínimo guarda uma tênue relação com a evolução da  participação da renda do trabalho.

Focando essa questão pelo lado  da participação da remuneração do capital, a teoria sugere que a  participação do capital na renda reduz-se quando a quantidade de capital  sobe – se as possibilidades de substituição de capital por trabalho  forem relativamente baixas. O resultado da simulação da participação do  rendimento de propriedade em função da relação capital-produto se  mostrou bastante robusto. Este resultado se obtém tanto para o setor  privado em separado como quando se considera o total da economia,  imputando-se os impostos sobre a produção líquida de subsídios como  excedente das administrações públicas. Obteve-se que, de fato, as  possibilidades de substituição entre capital e trabalho são  relativamente baixas. Precisamente, o valor estimado para a elasticidade  de substituição foi menor do que 1 (0,53 e 0,65, respectivamente para o  total da economia e para o setor privado em separado) de onde se  conclui que, de acordo com a teoria, a participação do rendimento do  capital decresce com o aumento da relação capital-produto.

Três  conclusões podem ser extraídas das informações acima: em primeiro lugar,  e principalmente, um fator técnico-econômico (relação capital-produto) é  essencial para explicar a distribuição funcional da renda; em segundo  lugar, essa distribuição tem se tornado progressivamente mais favorável  ao trabalho graças à crescente relação capital-produto; em terceiro  lugar, os fatores institucionais não têm se mostrado relevantes para  explicar essa distribuição, notadamente a política de salário mínimo, à  exceção, talvez, dos anos posteriores a 2005.

Uma reflexão  adicional é que, tendo em vista que a distribuição funcional da renda é  essencial para a distribuição pessoal da renda, pode-se afirmar que o  Brasil continuará, por muitos anos, apresentando índices de concentração  pessoal da renda elevados, embora decrescentes. Isto se deve ao fato  que não basta que a distribuição de salários esteja melhorando, graças  ao avanço da educação como apontou Naercio Menezes Filho (Valor,  20/01/2012). Ou, ainda, em decorrência da política de melhoria do  salário mínimo, tendo em vista que em 1990 ele era 20% do salário médio  do setor privado e chegou em 2009 a 38%.

Portanto, para se  acelerar esse processo seria necessário que renda do capital se  reduzisse. Para que isso ocorra, é essencial que, com a estabilização da  economia brasileira e a maior mobilidade de capital entre as economias,  possa-se promover, nos próximos anos, forte queda dos juros, o que  teria impactos sobre a remuneração do capital: a queda do juro  promoveria a aceleração do processo de acumulação de capital no setor  produtivo, o que reduziria muito a sua remuneração. Por sua vez, a má  distribuição de propriedade da terra e imóveis poderia ser resolvida por  meio de uma melhor tributação sobre o patrimônio. De sorte que seria  possível melhorar fortemente a distribuição pessoal da renda mesmo com  uma estrutura relativamente concentrada de direitos de propriedade do  capital e da terra, como é a do Brasil.

Este texto tem como  referência o artigo dos autores “A distribuição Funcional da Renda no  Brasil: 1959-2009”, UFF Faculdade de Economia, Texto para Discussão no.  285, março de 2012.

.