Impactante debate sobre sofrimento psíquico em Maceió

O III Congresso Internacional sobre Práticas de Aprendizagem Integradoras e Inovadoras (CIPAII) discutiu educação e complexidades sociais no contexto deste século, em um dia intenso de formação e partilha de saberes.

Dentre as questões abordadas, uma mesa conseguiu impactar os congressistas com a temática Saúde Mental e Sofrimento Psíquico: Política(s), Práticas Inclusivas e Discursivas. As pesquisas e análises dos professores doutores Adalberto Duarte, Pedro Figueiredo e Valci Melo, todos do quadro docente do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas (CEDU), trouxeram muito mais do que dados, mas informações que devem embasar políticas educacionais em perspectivas humanizadoras.

Valci Melo é Cientista Social, tem mestrado e doutorado em Educação e atua como professor no CEDU. Em sua fala assertiva, analisava a Base Nacional Comum Curricular e seu tratamento liberalizante, referendando aos sujeitos (alunos) a responsabilização individual pelos possíveis sucessos e prováveis fracassos na vida escolar, assim como na vida social, identificando neste ponto um causador de adoecimento mental, por induzir processos de culpabilização por circunstâncias estruturais, que estão muito além do alcance da vontade, mesmo quando existe determinação por parte dos sujeitos sociais e históricos.

Criticou termos banalizados no discurso, como empreendedorismo, criatividade e resiliência.  De acordo com sua abordagem, empreender na perspectiva liberal proposta pelo documento agrega assunção de riscos, em contextos com altas probabilidades de dar errado. Resiliência, considera um termo mal utilizado no contexto educacional, assim como a criatividade para se dar bem em conjunturas adversas, significa ser capaz de tirar leite de pedra.

“A forma como estes contextos se articulam, geram efeitos de sentido para a juventude, e podem ter implicação na saúde mental”. Asseverou. Pois apesar de haver um “reconhecimento da existência de problemas, estes devem ser assumidos e enfrentados pelos indivíduos, não pela sociedade. Se o enfrentamento não der certo, a culpa será dos indivíduos, que não foram criativos o suficiente, nem resilientes na medida certa”.

Valci pontuou que a ideia de Base Comum também é dual. Faz uma alusão à educação como alicerce, mas também legitima como conhecimento apenas aquilo que estiver incluso nela, e tudo o que existir além, não deve ser considerado educação.

Quando estes indivíduos fracassam, há uma implicação na saúde da classe estudantil e também da classe trabalhadora.

Pedro Figueiredo, é Psicólogo Social e atua como docente na Universidade Federal de Alagoas. Sua pesquisa corta na carne da sociedade, literalmente, porque dá visibilidade a uma dor que costuma ser camuflada, embora esteja se tornando cada vez difícil fazê-lo diante do aumento de ocorrências: mutilação em seres juvenis, público das escolas.

Segundo o pesquisador, mutilação não se refere apenas ao processo que envolve o cortar-se, mas todos os tipos de lesões provocadas pelo indivíduo em seu próprio corpo. Assevera que nem todo gesto que carrega este cunho tem intenções suicidas.

A presença deste fenômeno na escola pode estar sendo sub-representada. Mas requer visibilidade, pois sem perceber o que está ocorrendo com os estudantes, não haverá possibilidade de se criar estratégias de intervenção.

As causas para estes comportamentos, em uma sociedade complexa, podem advir de muitas situações, entre elas depressão, dificuldades de relacionamentos, entre outras. Mas nenhuma circunstância deve levar os agentes educacionais a minimizarem a auto-mutilação de adolescentes como frescura, falta de Deus ou considerações similares.

Na outra ponta dos estudos do professor, existem os docentes e suas doses mal cuidadas de sofrimento psíquico.

Desinteresse de alunos, baixa remuneração e desvalorização profissional, além das demandas de fazeres dentro e fora da escola, são pontuados como situações de adoecimento dos docentes.

Olhar para este quadro e interferir com políticas humanamente pautadas é o que podemos esperar dos governantes, por isso, a universidade precisa ser ouvida.

Adalberto Duarte é psicanalista e psicólogo, professor do Centro de Educação da UFAL. Sua crítica ao licenciamento dado pela escola para que a categoria médica solucione os problemas de comportamento dos alunos traz instigantes observações.

“Pedagogos estão sendo formados para educar crianças ou para identificar doenças em crianças?”. Sua inquietação advém do fato de que o “comportamento e aprendizagem desviantes da norma levam professores a indicarem intervenção médica”.

Em suas experiências de observação de relatórios e questionários aplicados, mostraram que tais documentos têm como finalidade capturar as insuficiências da criança, deixando-a sem potencialidade alguma.

O impacto que irrompeu em sensibilização do público presente foi o dado referente ao aumento do uso de Ritalina, que é uma anfetamina, classificação que inclui drogas consideradas ilícitas e proibidas com punição severa, em crianças.

Segundo o professor, desde as últimas atualizações do DSM, que é o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, problemas cotidianos foram transformados em problemas de ordem mental, abrindo espaço para a medicalização.

É importante ressaltar a diferença entre medicalização e medicação, pois a última é uma intervenção necessária diante de uma doença real.

O aumento de mais de 700% no uso de Ritalina gerou um público consumidor específico dessa droga: crianças.

A fronteira entre escola e psiquiatria se tornou mais um desafio para a sociedade deste tempo.

 

Repórter: Ana Cláudia Laurindo

 

 

 

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